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Rússia: "Putin tem cada vez mais receio de Navalny"

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Alexei Navalny, o principal opositor do regime do Presidente Vladimir Putin, foi condenado ontem a três anos e meio de prisão por ter quebrado as condições da pena suspensa, emitida em 2014 por lavagem de dinheiro. Em entrevista à RFI, José Milhazes, antigo correspondente em Moscovo, afirma que se trata de uma decisão política, porque juridicamente não tem qualquer fundamento.

Alexei Navalny, o principal opositor do regime do Presidente Vladimir Putin, foi condenado ontem a três anos e meio de prisão por ter quebrado as condições da pena suspensa, emitida em 2014 por lavagem de dinheiro
Alexei Navalny, o principal opositor do regime do Presidente Vladimir Putin, foi condenado ontem a três anos e meio de prisão por ter quebrado as condições da pena suspensa, emitida em 2014 por lavagem de dinheiro AP
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RFI: Já se estava à espera desta condenação?

José Milhazes: Estava-se à espera por razões políticas, porque do ponto de vista jurídico não tem qualquer fundamento. Este processo que, por acaso, está ligado a uma empresa de cosmética francesa, Yves Rocher, é uma longa história que começa em 2012. O representante da Yves Rocher apresentou queixa contra os irmãos Navalny por suspeita de desvio de dinheiro nos negócios, entre os irmãos Navalny e a filial da Yves Rocher na Rússia. Mais tarde, a Yves Rocher veio declarar que não tinha havido desvio nenhum, que as contas estavam todas certas, mas como o processo já estava aberto e como era contra Navalny foi até ao fim.

O irmão foi condenado a três anos e meio de prisão efectiva e Alexei Navalny  foi condenado a três anos e meio de prisão com pena suspensa.  Alexei Navalny recorreu para outras instâncias até que chegou ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que deu razão a Navalny, dizendo que o processo tinha sido político, obrigando a Rússia a pagar uma multa de 80 mil euros e o governo russo pagou. Ou seja, reconheceu o erro do processo. 

Entretanto o senhor da Yves Rocher saiu da Rússia, pensa-se que ele tenha sido alvo de chantagem para apresentar a queixa, por parte dos serviços secretos russos (...). Claro que eles não chamam segundo julgamento, porque as pessoas não podem ser acusadas duas vezes pelo mesmo crime, mas apenas chamam a decisão de transformar a pena suspensa em pena efectiva.

Desde que Navalny regressou ao país as manifestações intensificaram-se. Estas manifestações vão continuar, podem afectar o Kremlin?

As manifestações vão continuar, resta saber até quando. Aqui há dois factores: primeiro é o aumento brusco do aparelho repressivo contra os opositores; o segundo é até que ponto a oposição terá força e os manifestantes terão paciência para aguentar esta onda durante muito tempo

A voz de Navalny continuará a ser ouvida, agora que ele está na prisão? 

Isso é outro problema. Mas eu, e outras pessoas, achamos que Navalny deveria ter vindo mais tarde para a Rússia. Teria que voltar obrigatoriamente, se não iria ser esquecido, mas poderia voltar na primavera. Porque ficaria mais perto das eleições de Outono e não teríamos de  passar por manifestações no inverno. O Inverno na Rússia pode contribuir para ajudar o poder a travar a oposição, embora as primeiras manifestações, do dia 23 de Janeiro, mostraram que os russos podem sair à rua a qualquer temperatura. 

Os apoiantes de Navalny terão peso suficiente para representar o opositor russo?

Há muita gente que não simpatiza com o programa político de Navalny, mas apoia neste momento Nalvalny, porque é a única voz da oposição que se faz ouvir no país. Ele criou uma frente anti-Putin, que tem o apoio de várias forças.

Alguma imprensa compara Nalvalny a Lenine, a Nelson Mandela. Alexei Navalny é o homem que pode fazer sombra ao regime de Putin? 

Isso é uma coisa que ainda temos de ver. Não são manifestações de rua que derrubam o poder na Rússia, as manifestações de rua apenas podem contribuir para o desequilíbrio na luta dentro do Kremlin. 

Se a situação económica se degradar. Se a situação da Rússia em termos internacionais se degradar também, aí a própria elite russa poderá tentar arranjar uma alternativa a Putin para não levar o país a uma situação de ruptura. 

A comunidade internacional pediu a libertação imediata de Alexey Navalny. A pressão ocidental pode ter algum resultado, ou será vista como “eles contra nós”?

Claro. A propaganda russa está a utilizar isto para mostrar que a Rússia é forte, que a Rússia “está-se nas tintas” para a opinião pública internacional. A pressão internacional é importante, mas eu penso que, a curto prazo, não terá implicações fortes dentro da própria Rússia.

Qual é o objectivo de Navalny ao regressar à Rússia? 

O objectivo são eleições livres, um objectivo quase utópico neste momento. Mas nas últimas eleições foi utilizado o sistema da escolha inteligente. Foi um esquema criado por homens do Navalny que em cada região estudavam o candidato da oposição ao Putin que tivesse mais possibilidade de ganhar e depois apoiavam-no. Este esquema teve bastante êxito em determinadas regiões, puseram em causa o monopólio, quase total, da Rússia Unida, o partido de Putin. Claro que Vladimir Putin nestas eleições vai tentar evitar que isso aconteça. 

Pode dizer-se que o medo está a mudar de campo? Esta detenção mostra que Vladimir Putin reconhece a ameaça que representa Alexei Navalny? 

Ele despreza Navalny, ele nem sequer pronuncia o nome dele, isso é um sinal de total desprezo. Isso é em público, mas na prática Putin tem cada vez mais receio de Navalny e da oposição.

Um dos cenários possíveis é Navalny, que pode recorrer da decisão, ser posto em liberdade. Isso vai ser um grande problema para as eleições. Mas se ele ficar na prisão, o que pode acontecer é o que aconteceu na Bielorrussia. Ou seja, a mulher de Navalny passa a ser a líder da oposição.

Há indícios que, dentro da oposição, possam aparecer outros candidatos à liderança e até podem aparecer, como é muito comum na Rússia, pseudo-candidatos criados por Putin para dividir a oposição. Daí que dizer que Putin não tem medo isso eu acho que é mentira.

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