Acesso ao principal conteúdo
Artes

"Nayola", o filme de animação que retrata Angola pela voz das mulheres

Publicado a:

O filme “Nayola”, a primeira longa-metragem de animação de José Miguel Ribeiro, retrata o impacto da guerra civil angolana na vida de três mulheres: Lelena (a avó), Nayola (a filha) e Yara (a neta). Inspirada na peça “A Caixa Preta”, de José Eduardo Agualusa e Mia Couto, com argumento de Virgílio Almeida, o filme mostra que "as guerras nunca terminam" e que as lutas por um mundo melhor se podem perder se as vozes se calarem.

"Nayola", filme de animação realizado por José Miguel Ribeiro.
"Nayola", filme de animação realizado por José Miguel Ribeiro. © Nayola
Publicidade

Em 1995, Nayola deixa a sua bebé Yara com a avó, Lelena, para procurar o marido desaparecido em combate, durante a guerra civil angolana. Em 2011, Yara é uma "rapper" e activista dos direitos humanos perseguida pela polícia. Dois percursos paralelos que crescem em duas linhas temporais que não se conseguem encontrar. Duas vidas que reflectem um país dilacerado pelas guerras do passado que contaminam o presente. "Ninguém volta da guerra", ouve-se no filme "Nayola", uma história que também é de esperança por um futuro melhor enquanto houver vozes comprometidas com um sonho comum.

O filme estreou em França simbolicamente a 8 de Março, Dia Internacional dos Direitos da Mulher, vai estrear em Angola a 31 de Março e chega aos cinemas portugueses a 13 de Abril.

Depois do circuito dos festivais e de ter conquistado vários prémios, o realizador José Miguel Ribeiro diz que o maior prémio é que os angolanos sintam o filme como deles e começa por descrever como é que a luta pela construção de uma família também reflecte a luta pela construção de um país.

RFI: Como é que resume a história do filme “Nayola”?

José Miguel Ribeiro, Realizador de “Nayola”: Nayola conta a história de três gerações de mulheres angolanas que resistem e sonham com um país melhor e lutam por um país melhor, bem melhor, e tentam no meio dessa luta conciliar aquilo que é a construção de uma família com a construção de um país.

É uma história que se baseia no texto teatral "A Caixa Preta" do angolano José Eduardo Agualusa e do moçambicano Mia Couto. O que é que o levou a querer adaptar esta obra?

Quando descobri a obra que me foi mostrada pelo Jorge António, um amigo realizador que vive em Angola há mais de trinta anos, foi ele que mostrou a peça de teatro antes de ela ser publicada. O que me pareceu interessante nessa peça de teatro era essa dimensão humana destas três mulheres e a forma como tocadas pela guerra, uma guerra imensa que foi a guerra da libertação - são 13 anos mais 27 anos de guerra civil - foi um percurso enorme de sofrimento do povo angolano.

O que eu gostei na peça de teatro é essa dimensão humana e quando digo humana é porque todas estas três personagens têm as suas qualidades, mas também têm os seus segredos, os seus lados menos positivos e todas elas lutam e mostram-se de uma forma bastante humana. Essa dimensão humana das personagens foi uma das coisas que mais gostei, a forma como eles as escreveram, como nós tentámos depois também trazê-la de uma forma, se calhar, mais simbólica. Acrescentámos a viagem da Nayola ao passado, à procura de marido, que não existia na peça de teatro; introduzimos uma Medusa que é uma 'rapper' que também não existia como 'rapper' na história do Mia Couto e do Agualusa.

Houve um trabalho de contaminação também da história de Angola e daquilo que nós fomos acompanhando: o caso do Luaty Beirão e dos 15 activistas que foram presos. Enfim, o filme demorou nove anos e durante esses nove anos o mundo não esteve parado, esteve sempre a mudar e casos como a morte de George Floyd foram casos que me influenciaram nas tomadas de decisões artísticas também.

Falou da dimensão humana, mas há também uma dimensão militante muito forte de mulheres. A história anda à volta de três mulheres. Todas elas lutam à sua maneira: uma vai para a guerra; a outra faz rap e é procurada pela polícia porque, como diz um dos personagens "o rap é guerrilha" e o poder estava "com medo das músicas" dela. No quarto da Yara temos um cartaz a dizer "Feminists" e estreou o filme em França a 8 de Março, Dia Internacional dos Direitos da Mulher. Quis mostrar esta força das mulheres? Era necessário?

Eu acho que sim. Continua a ser necessário. Infelizmente continuamos num mundo muito machista, onde o espaço das mulheres tem que ser conquistado com luta e com força e são, de facto, as mulheres que têm feito essa luta. Eu acho que é nossa obrigação - também homens - juntar-nos a essa luta e antecipar esse equilíbrio na sociedade porque já não se compreende como é que temos uma sociedade continuamente machista que impõe às mulheres um desgaste todos os dias de energia para conseguirem coisas que os homens já têm há tanto tempo.

A música está sempre no filme. Até na guerra civil um dos soldados tem uma guitarra e na Luanda de 2011 do filme a Yara é uma "rapper" perseguida como já foi Luaty Beirão e tantos outros. No filme, conta com as vozes de Bonga e da "rapper" Medusa que dá voz a Yara. A cantiga como arma também guiou o filme?

Sim, aliás, a música com que nós fechamos o filme é a música do Bonga 'Mona Ki Ngi Xiça', que foi uma música do primeiro álbum que ele já gravou na Holanda - quando teve de fugir do regime fascista português e refugiar-se na Holanda - e essa música por si só, e também todas as primeiras músicas do Bonga, eram essa manifestação de resistência e de luta. Primeiro, ainda contra o ocupante, o colonisador Portugal e, depois, a Yara, neste momento, é a luta contra a injustiça social que ela identifica no país e pelas quais ela se defende.

A luta continua. A democracia e a conquista dos direitos e da justiça num país não é nada que se possa dizer que está conquistado e está garantido. É uma luta permanente, constante e talvez para os europeus é mais visível a de Angola, mas na Europa há muitas lutas também ainda a fazer e há muitas conquistas que se podem perder.

Porque é que quis focar-se em Angola? Que memórias de África é que o levaram a querer fazer este filme sobre Angola?

Eu cresci com álbuns do meu pai na Guiné-Bissau que foi militar das forças portuguesas na altura da guerra colonial - como muitos portugueses que não tiveram alternativa, era imposta essa permanência e essa luta contra as colónias. Eu cresci a ver álbuns do meu pai em cima de árvores, vestido de militar, com macacos ao lado. Imagens que eu, na minha inocência de criança, achava muito exóticas e muito distantes. Depois fui crescendo, felizmente tivemos o 25 de Abril em Portugal, a chegada da democracia, a independência das colónias, mas infelizmente fui acompanhando a guerra civil, especialmente em Angola e Moçambique, mas em Angola com mais violência e que durou ainda mais tempo.

Angola não é propriamente um tema distante de mim, acho que de nenhum português. Mas conhecia muito pouco Angola, confesso, e quando comecei este trabalho tive que reconhecer a minha ignorância e fazer uma longa pesquisa de mais de cinco anos a ler tudo o que apanhava, a ler também altos autores para além do Agualusa, Pepetela, fazer a minha investigação pessoal para depois, já num processo criativo, poder fechar os livros, escutar a minha memória dessa experiência que foi longa e grande e onde aprendi muito.

Aprendi essencialmente a sair da minha posição de ocidental porque essa é talvez a grande aprendizagem deste processo criativo de fazer este filme. É que em Portugal e na Europa continuamos muito limitados na capacidade de nos meter no lugar dos africanos. E quando lá estamos e quando começamos a aproximar-nos, aí é que vemos a distância entre aquilo que é o olhar de África sobre a Europa e o olhar da Europa sobre a África. É uma distância enorme.

Vamos então ao processo criativo. As máscaras africanas são um padrão central no filme, mas também as cores quentes, os rituais, as pontes entre vivos e mortos. Como é que construiu o universo gráfico de Nayola?

As máscaras influenciam a arte na Europa há muito tempo, desde o Picasso, com o Cubismo que teve influência das máscaras; o Modigliani que também utilizou muito as máscaras para um momento da criação da sua obra. Eu estudei essa arte contemporânea e não podia ficar indiferente à capacidade de síntese e à beleza e força gráfica das máscaras. Para mim, as máscaras africanas já me influenciavam nos meus filmes anteriores, antes de eu fazer um filme africano.

Quando eu decidi avançar para este projeto, era óbvio que as máscaras tinham que ser centrais na construção dos personagens até porque elas também são referidas na própria peça de teatro do Mia e do Agualusa. Há um momento em que a Yara diz: "Toda a gente devia usar uma máscara que mostrasse aquilo que nós realmente somos". Com base nessa evidência, nessa presença das máscaras na peça, eu fiz uma pesquisa ainda mais profunda e tentei encontrar uma coerência para a utilização das máscaras e, até, do design das personagens que justificasse também porque é que usamos máscaras. Usamos as máscaras para nos proteger ou para nos mostrarmos? É um questionamento que eu faço no filme e desenvolvo, depois, graficamente as personagens.

Parece que o desenho e as cores acompanham tempos paralelos. O passado, de Nayola, à procura do marido na guerra e no mato, e o presente, de Yara, em Luanda. Houve essa vontade de marcar graficamente diferentes universos e tempos?

Sim, porque, na verdade, o momento presente é o pós-guerra, o passado é a guerra. Se há alguma coisa que a guerra tem é a intensidade. Tudo é intenso. Na guerra não há meio termo. O que se sente, o que se vive, o que se sofre, é tudo intenso e eu tentei graficamente mostrar essa intensidade com a utilização de uma paleta gráfica muito forte, com cores fortes como os amarelos, os laranjas, os vermelhos, os verdes puros, quase puros.

Uma textura, também, sem ser muito trabalhada, crua, e um movimento a nível da animação. Usámos o 2D no passado e animação 3D no presente. Uma animação 2D também muito expressiva e muito intensa e, portanto, eu faço esse contraste entre um passado intenso e plasticamente marcante para um presente mais próximo do fotográfico, uma visão fotográfica com uma dimensão também mais real, se quisermos. É desse contraste que se cria a relação entre um país em paz e o país em guerra e como a guerra continua a tocar a paz do país, mesmo depois de já ter acabado. É esse zigue-zague porque o filme é construído com saltos temporais do presente para o passado exactamente para reforçar essa ideia de que o passado continua a influenciar-nos mesmo que já esteja um bocadinho distante.

Uma das frases mais pungentes do filme é "Ninguém volta da guerra". Há também outra frase: "Lutam melhor os que têm belos sonhos. As armas também matam sonhos". Que mensagem é que quis deixar com este filme para a Angola de 2023?

Eu acho que é para Angola, mas é para o mundo todo também. Eu acho que as lutas, as guerras nunca terminam. Aliás, eu estava agora a ver uma entrevista de uma viagem que fizemos a Angola em que estivemos a mostrar o filme. Estivemos  em Luanda, Benguela e Lubango e há uma das pessoas que nós entrevistámos que nos disse de uma forma que eu acho muito directa e muito visível que a guerra continua.  A guerra, claro que não tem se calhar essa dimensão de guerra no sentido de uma violência mais bárbara, mas é uma guerra de procura de um país melhor, de um país sonhado, das pessoas se reverem naquilo que é o seu país, de sentirem que estão a construir qualquer coisa que é um sonho comum e isso, para mim, é fundamental não só em Angola como no mundo todo.

A guerra, essas batalhas pela justiça, pela paz, pela distribuição equitativa da riqueza, pela tolerância, são guerras todos os dias. A Yara representa isso, representa a nova geração de jovens comprometidos com um mundo melhor que não se consegue se ficarmos todos em casa. Esse mundo só se consegue quando as pessoas saem e mostram aquilo que querem e não se resignam àquilo que é a condição que lhes querem impor. Eu acho que essa luta, no dia em que nós nos calarmos, ela é perdida, portanto, é importante as pessoas ouvirem-se e fazerem-se ouvir.

E o José Miguel Ribeiro não pretende calar-se... Teve antestreia em Luanda, em Fevereiro, e chega ao circuito comercial angolano no final de Março. Quando exactamente e como é que tem sido a recepção em Angola?

Na semana que estivemos, e que foi uma semana muito intensa, estivemos com os produtores belgas, também nos acompanharam produtores franceses, com o Jorge António que vive lá e o Henrique, a Medusa também andou connosco. A sensação que tive foi que as pessoas primeiro se emocionaram muito e também se riram muito porque a cena do tio e do sobrinho, que afinal descobrem que estão a lutar em lados contrários, é uma cena hilariante no sentido em que as guerras muitas vezes sabemos como as começamos, mas depois já não sabemos bem porque é que elas existem, porque as pessoas às tantas estão todas a lutar do mesmo lado mas lutam umas contra as outras.

O que me tocou mais também foi sentir que as pessoas sentiram o filme como um filme angolano. Um filme que é deles, que é a realidade de Angola, são as lutas deles e é a Angola do passado mas também uma Angola do presente e do futuro. E aí foi o que eu tentei também fazer porque a peça de teatro foi escrita pelo Mia Couto e pelo Agualusa algures em 2011 e esta dimensão mais actual trazida pela Medusa foi também uma intenção de não fazer um filme só a falar do passado mas que fale também do presente e do futuro. Os angolanos reveem-se neste filme, naquilo que são as suas lutas actuais também por um país mais justo, mais equilibrado, mais democrático. Enfim, o país é uma construção, nunca acaba, mas eu fiquei assim muito tocado de os ver falar do filme como se estivessem a falar de um filme angolano. Para mim, é o maior prémio que posso ganhar depois de fazer este filme, é sentir os angolanos a sentirem o filme como um filme deles, que é isso que eu tentei fazer.

Quando é que o filme se vai estrear exactamente em Angola?

Em Angola é 31 de Março. Em Portugal, sai a 13 de Abril. Em França, vai continuar, estreou na semana passada. Na Holanda, já há uma data de estreia também a 13 de Abril. Na Bélgica, ainda não está anunciada e irá sair também no Brasil. Estes são os países que eu posso confirmar hoje que vão fazer o filme sair em sala.

Precisamente, o filme é uma co-produção com a Bélgica, França, Holanda e Portugal. Como é que foi viabilizado financeiramente e quanto é que custou?

O filme teve um custo total de três milhões e duzentos mil euros, sabendo que nós em Portugal conseguimos arranjar 46% mais ou menos deste orçamento. Portanto, era preciso arranjar o resto. Um filme de animação com este valor nem sequer é um filme muito caro. Os filmes de longas-metragens rondam os dez milhões de euros na Europa, um preço médio, portanto, nós nem nos ousámos a fazer um filme muito europeu nesse sentido do preço.

Agora, fomos criativos, trabalhámos com equipas, com pessoas muito talentosas em todos estes países. A vantagem da co-produção é que é um trabalho colaborativo, sempre, fazer um filme. Se tivermos coprodutores que nos entendem, que estão em sintonia connosco, como foi o caso, a JPL, a S.O.I.L e a il Luster são três produtoras que desenvolvem muito o seu trabalho com uma base muito grande de filmes de autor. Todos nós estávamos em sintonia que é uma obra artística aquilo que nós queremos fazer, não tínhamos ambições de fazer blockbusters e estivemos sempre muito em sintonia.

Depois foi preciso distribuir o trabalho, dividir o filme, tentámos manter uma escala pequena na produção em cada país e em vez de concentrarmos em cada país uma parte da execução do filme como se costuma fazer: por exemplo, faz-se a animação num país, depois a intercalação noutro, depois a pintura noutro.

Nós tentámos manter em todos os países estas fases, dividindo o filme, uma vez que o filme é um quase road movie, é um filme de percurso, com estilos gráficos também diferentes em vários momentos - temos pintura animada, desenho animado, 3D - fizemos essa divisão mais do princípio ao fim para cada país do que especializar cada país só numa fase da produção. Isso fez com que as equipas trabalhassem de uma forma mais próxima do filme, verem o segmento que é feito nesse país, a verem esse segmento do princípio ao fim a ser construído. Na verdade, trabalhamos muito próximo daquilo que é a forma de trabalhar quando se fazem curtas-metragens.

O cinema de animação de autor em Portugal está a dar cartas. Houve o primeiro filme português candidato efectivo aos Óscars ,‘Ice Merchants’ de João González, algo que já podia ter acontecido com Regina Pessoa que chegou à short list dos Óscars. Com esta longa, você esteve no festival de animação de Annecy com este filme e já conquistou vários prémios em 2022. Ou seja, o cinema de animação de autor português realmente está a dar cartas, apesar de não ter assim tanto dinheiro?

Eu acho que o cinema de animação é curioso porque ele inicia-se com o Abi Feijó num primeiro filme que ele consegue o apoio do Instituto Português do Cinema que, na altura, não tinha concursos só para a animação, portanto, os concursos eram para cinema na generalidade, ele consegue um primeiro apoio e ele e o Fernando Galrito são a geração que luta pelo apoio ao cinema em concursos separados da imagem real.

Isso foi uma conquista enorme porque criou uma base financeira para a produção que tem dado resultados ao longo destes últimos anos e, portanto, há gerações de realizadores como o Vasco [Sá] e o David [Doutel], a Laura [Gonçalves] que fizeram um percurso como eu fiz. Eu comecei por trabalhar nos filmes do Abi Feijó, do Zepe e depois um dia comecei a fazer os meus. E a maior parte destes realizadores têm esta escola, que é não só as escolas que existem em Portugal e que ensinam o cinema de animação, mas depois quando entram no mercado de trabalho começam a trabalhar em filmes de outros realizadores até um dia terem a sua oportunidade e começarem o seu percurso como realizador. Essa conquista ao nível das curtas já existe e felizmente, à excepção do ano 2011 em que não houve apoio ao cinema, tem-se mantido regular.

Agora, havia aqui o salto a dar para as longas-metragens que felizmente foi dado, há uma longa-metragem apoiada de dois em dois anos no ICA. É provável que nos próximos anos, com os candidatos que estão a propor e com o desenvolvimento do cinema de animação, faça mais sentido que o concurso em vez de ser bianual seja anual.

Depois, há aqui um lado que nós não temos tão desenvolvido como a Espanha, que está aí mesmo ao lado, e que é a indústria do cinema de animação. A mim pessoalmente como realizador talvez não me interesse tanto, mas como produtor pode ser um caminho também para criar mais escala de produção, começar a trabalhar também para uma escala onde é possível mais facilmente encontrar mercado e dar oportunidade aos portugueses que são formados nas escolas portuguesas de poderem continuar a trabalhar em Portugal sem terem que emigrar. Porque o que acontece muitas vezes em Portugal é termos formação, temos já algumas escolas em várias zonas do país, mas quando o talento é grande, os animadores acabam a trabalhar para fora.

Pronto, isso é uma conversa longa e podemos um dia falar sobre isso, mas parece-me a mim que o cinema de animação, ao nível do filme de autor de curta-metragem, é um cinema que já conquistou quase todos os prémios que existem, só falta mesmo o Óscar. No maior festival de animação de França, que é o festival de Annecy, a Regina Pessoa já ganhou esse festival, enfim, já tivemos realizadores nos maiores festivais do mundo.

Agora, para mim, é este o salto que falta dar. As longas, demos o salto nos últimos anos. Saiu a minha longa no ano passado e saiu a longa do Nuno Beato também e irão sair outras em breve, há mais duas longas que estão em produção. Acho que as longas-metragens vão-se começar a afirmar.

Para mim, a grande questão aqui está no salto das séries de animação, que Espanha é um país fortíssimo em séries e em França também é muito forte, e nós em Portugal é quase inexistente. Isso prende-se, julgo eu, com dois passos que têm que ser dados. Um que me parece que é o mais importante que é as televisões fazerem investimentos significativos na produção de séries de animação em Portugal, o que não acontece neste momento.

O outro é também o ICA, Instituto Português de Cinema, começar a apoiar as séries de animação com valores mais substanciais porque uma série de animação não se faz com 500 mil euros. Uma série são vários episódios, dependendo da duração de cada episódio podem ser várias horas de programação e precisam de financiamentos que rondem os três milhões, no mínimo. Portanto, o custo desta longa é o mínimo de um trabalho de uma série com alguma dimensão. Julgo que é isso que falta em Portugal. Acho que as curtas vão continuar, as longas, espero eu, que se vão instalar e ganhar esse espaço que já estão a conquistar e falta este salto que é o salto da produção de conteúdos de séries.

"Nayola", filme de animação de José Miguel Ribeiro. Cartaz para a saída comercial em Angola a 31 de Março.
"Nayola", filme de animação de José Miguel Ribeiro. Cartaz para a saída comercial em Angola a 31 de Março. © Nayola

Coproduzido entre Portugal, França, Bélgica e Holanda, "Nayola" esteve em vários festivais em 2022, ano em que conquistou vários prémios, nomeadamente de Melhor Longa Metragem de Animação no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara, no México, no Animest Film Festival, na Roménia, no Manchester Animation Festival, no Reino Unido, no Anilogue International Animation Festival in Budapest & Vienna, na Hungria, no Afrykamera African Film Festival, na Polónia, (onde também conquistou o Prémio do Público). O Prémio do Público também foi para « Nayola » na Mostra de Cinema de São Paulo, no Brasil, assim como no Cinanima – Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho, em Portugal. Houve, ainda, o Prémio BE TV da Melhor Longa Metragem da Seleção Oficial do Festival Internacional do Filme de Animação de Bruxelas (Anima), assim como o Cocomics Best Music e DHL Diversity prize no Bucheon International Animation Festival, na Coreia do Sul. O filme esteve, também, em competição na Selecção Oficial no Festival de Annecy, em França.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.