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Artes

Mário Laginha e Pedro Burmester: "O Bernardo tinha um pé na terra e outro no céu"

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Do Tango a Piazzolla, passando por uma peça de jazz de Mário Laginha e pela obra de Bernardo Sassetti, os pianistas portugueses Mário Laginha e Pedro Burmester partilharam o palco do espaço Pierre Cardin, na abertura da  51ª edição do festival de Outono, em Paris.

Mário Laginha e Pedro Burmester no concerto no Théâtre de la Ville, em Paris.
Mário Laginha e Pedro Burmester no concerto no Théâtre de la Ville, em Paris. © RFI/Lígia Anjos
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Neste concerto, os pianistas convidaram o público a juntarem-se a eles numa viagem musical cheia de lembranças, cumplicidades, mas também tristezas, numa homenagem ao amigo, pianista e compositor Bernardo Sassetti. Uma viagem aos 40 anos de palcos partilhados entre os três pianistas. O Bernardo Sassetti foi "uma estrela cadente da música portuguesa, que se apagou em 2012. 

Mário Laginha contou-nos como nasceu este repertório. "A primeira vez que tocámos o Piazzolla foi em Buenos Aires", recorda Pedro Burmester. "Tínhamos um convite para ir tocar ao Uruguai e Buenos Aires", completa Mário Laginha. O público reagiu muito bem e "achei fantástico porque aquela música está-lhes no sangue e essa interpretação nasceu aí". 

O concerto terminou com o Bolero de Maurice Ravel. "O arranjo é do próprio Ravel, que escreveu esta versão para dois pianos e está incrivelmente bem escrita", lembra Mário Laginha.

"Esta versão a dois pianos tem um quê de irónico porque o Bolero é a mesma melodia repetida não sei quantas vezes. Na versão para orquestra o que ele faz é um tratado de orquestração, ele percorre os naipes todos da orquestra e o mesmo tema vai vestindo timbres e cores diferentes, para além do grande crescendo que acompanha a obra desde o início ao fim. Fazê-lo em piano é, à partida, quase disparatado", explica Pedro Burmester.

"Há peças que são extrovertidas e mais comunicadoras do que outras. Algumas são mais introvertidas, que nos emocionam e nos dá prazer tocar", lembra Mário Laginha. E há há peças que "têm uma complexidade tal ou uma tal densidade que são várias as camadas de coisas que acontecem, que se sentem ou de coisas que falam as obras. Catalogá-las com um só adjectivo é difícil", completa Pedro Burmester.

"Quando ouço música não penso ou dito de outra forma penso com música. É muito difícil passar a música para palavras ou a música está onde a palavra acaba. Ouvir música implica quase não pensar e só sentir. É o que eu faço quando estou a ouvir e quando estou a tocar também. Idealmente o pensamento foi feito antes, foi estruturado, trabalhado, composto. No momento de transmitir, de passar para lá, de passar para o público. Se penso muito a coisa corre mal", confessou Pedro Burmester. "Há concertos em que se tem noção de tudo o que está a acontecer, de um ruído mínimo que acontece e que incomoda, ter consciência de nós próprios, de um erro ou outro que acontece e se formos por esse caminho é sempre mais difícil de dominar. Quando se vai no caminho mais do sentir, da emoção assente no pensamento que já antes foi trabalhado são os ideais", explica Pedro Burmester.

"Quando ouço o Pedro tocar sinto felicidade porque sabe muito bem tocar bem. A interpretação tem um espaço imenso para a criatividade, ao contrário do que muita gente pensa. Uma das coisas que o Pedro tem e sempre me fascinou  é que ele não cristaliza uma interpretação, uma forma de tocar. É comum ouvir a mesma peça com interpretações que não são iguais e isso torna a música tão viva e eu adoro isso, mas depois não penso muito também", responde Mário Laginha.

"A vantagem dos criadores, dos escritores, dos pintores, dos compositores é que eles vão, mas a obra fica. Quando a obra é boa, a obra fica mesmo e eles não morrem. Continuamos e continuaremos por mais 500 anos a ouvir Bach, por exemplo, essas pessoas são imortais. O Bernardo vai conquistando aos poucos na medida em que nós vamos contribuindo e ajudando para isso vai conquistando aos poucos a imortalidade. Um dos combustíveis que nos faz continuar é pensar que a maior parte das pessoas que estão a assistir aos nossos concertos, aos do Mário, aos meus ou aos nossos estão muitas vezes a ouvir aquelas obras pela primeira vez, mesmo num repertório - que é o meu caso - mais clássico pensamos que as pessoas conhecem e não conhecem. A sensação de que estamos a passar a música que nunca a ouviram é um privilégio", concluiu Pedro Burmester.

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