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Artes

Exposição "Tchiloli Unlimited - Migrações e Coisas" de René Tavares

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O artista plástico santomense René Tavares expõe até 16 de abril no salão nobre do Teatro Municipal do Funchal, "Tchiloli Unlimited - que faz parte do projecto Migrações e Coisas", um trabalho iniciado em 2018 sobre o Tchiloli, mas que começou antes disso no Senegal, com o resgate do património santomense e da identidade crioula deste espectáculo, baseado numa peça de teatro escrita em 1540 pelo madeirense Baltazar Dias.  O propósito de René Tavares é reatar o diàlogo atlântico com a ilha da Madeira 5 séculos depois com o Tchiloli, que é o ex libris de Sao Tomé e Príncipe, com a sua congénére Auto de Floripes na ilha do Príncipe, uma tragi-comédia entre cristãos e mouros, que se disputa entre Carlos Magno e os doze pares de França. 

René Tavares, artista plástico santomense tem patente até 16 de abril no Teatro Municipal Baltazar Dias, no Funchal, ilha da Madeira a exposição "Tchiloli Unlimited", que faz parte do projecto Migrações e Coisas, iniciado em 2018.
René Tavares, artista plástico santomense tem patente até 16 de abril no Teatro Municipal Baltazar Dias, no Funchal, ilha da Madeira a exposição "Tchiloli Unlimited", que faz parte do projecto Migrações e Coisas, iniciado em 2018. © Facebook René Tavares
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"Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno" peça escrita em 1540 pelo madeirense cego Baltazar Dias, em cujo salão nobre do teatro municipal do Funchal - que tem o seu nome - decorre até 16 de abril a exposiçao "Tchiloli Unlimited - Migrações e Coisas" do artista plástico santomense René Tavares.

Diálogo atlântico, de cruzamento de culturas entre o tradicional e o contemporâneo, entre memória e reinterpretação da lusofonia, um espectáculo de dança, teatro e música, sincrético, subversivo e místico, representativo da crioulização cultural em São Tomé e Príncipe, interpretado apenas por homens, falado num misto de língua "forro" e de português medieval e moderno, com personagens vestindo trajes e enfeites europeus remetendo a essa época, mas também da identidade crioula entre o Funchal e São Tomé e Príncipe, onde o Tchiloli e o seu equivalente na Ilha do Príncipe, o Auto de Floripes, uma tragi-comédia opondo cristãos e mouros, através de Carlos Magno e os doze pares de França, que se realiza anualmente a 15 de Agosto, onde participam mulheres, contrariamente ao Tchiloli, que se cinge mais à tradição carolíngia, mas ambas estas expressões culturais representam o ex libris e expoente má ximo do folclore de São Tomé e Príncipe

"Arquelogia teatral" disse a etnóloga francesa Françoise Gründ, antiga directora da Maison des Cultures du Monde, que trouxe a Paris em 2006 o grupo Formiguinha da Boa Morte e escreveu "Un Art Ancestral d'Afrique" que considera o Tchiloli como algo em que "escravos forros ou filhos da terra, se apropriaram de uma cultura estrangeira como um código secreto, para através de uma dramaturgia sofisticada, resistir à opressão colonial portuguesa, e de que paradoxalmente, as máscaras do Tchiloli abolem as fronteiras entre o humano e o sobre humano

Breve biografia de René Tavares

René Tavares nasceu em São Tomé e Príncipe, em 1983, e formou-se na Escola Nacional de Belas Artes de Dakar, no Senegal. Paralelamente, participou em vários "ateliers" na galeria Teia D’Arte, em São Tomé, orientado pelos artistas Seyni Gadiaga e Débora Miller, e em 2002 intergou o atelier de pintura e desenho dos finalistas da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

René Tavares particiopou em 2008 na V Bienal Internacional de Arte e Cultura em Viena, e na exposição Africa Now ! organizada pelo Banco Mundial em Washington D.C, em 2009 obteve uma bolsa de estudo para desenvolver o seu trabalho de pesquisa em artes plásticas em Rennes, França e em 2014, o seu trabalho foi apresentado na Bienal de Veneza e actualmente vive entre São Tomé e Lisboa.

Expos em Paris em novembro 2019 no Carreau du Temple no quadro da AKAA - Also Known as Africa -  mas também entre outros em Bordéus, Amsterdão, Bruxelas, Lisboa, Luanda, Joanesburgo e agora no Funchal.

Breve histórico sobre o Tchiloli

Inspirado num dos episódios do ciclo Carlos Magno, interpretado em forro, português medieval e moderno, os grupos de Tchiloli  – apenas constituídos por homens – um anacrinismo assumido - encenam escravos e mestiços, mascarados, trajados e enfeitados com fitas e indumentárias à moda europeia da época.

Simultaneamente sincrético, subsersivo e místico, o espectáculo que nunca se repete da mesma forma, é também um "cadinho" de várias tradições e presta-se a diferentes níveis de leitura.

Várias hipóteses sobre a origem do termo Tchiloli

Tchiloli poderia ser uma defomração de "tiruliruli", uma espécie de flauta que acompanha danças e dramas populares nalgumas aldeias do distrito do Porto.

Uma tentativa de explicação linguística apoia-se nas regras observadas na passagem da língua crioula nativa de São Tomé o "forro". O étimo Tchiloli e a palavra portuguesa Teoria, que designa não apenas uma "teoria" mas também "deputados" no sentido da Grécia Antiga, ou por extensão "um grupo de pessoas marchando em procissão".

Segunda a explicação retida, tratar-se-ia da Embaixada do Marquês de Mântua à Côrte de Carlos Magno, ou simplesmente da entrada em cena dos actores. 

Além da etimologia e da fonética, a substituição do título original da peça de Baltazar Dias, escrita em 1540 "A Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno" para "Tchiloli" remete também para a problemática da identidade saotomeense e dos seus questionamentos e desafios, pois nomear é de alguma forma apropriar-se.

Mas a introdução da peça de Baltazar Dias em São Tomé é alvo de dúvidas: uma das versões mais difundidas defende que o texto teria chegado à ilha através de actores ambulantes, dado que desde o fim do século XVI, os afortunados produtores de cana de açúcar tentavam rivalizar com os ricos nativos de Portugal e da Ilha da Madeira através da construção de belas moradias, mas também com distracções, convidando companhias de teatro, para se exibirem nas suas roças.

Mas esta tese não apoiada por fontes históricas, teria sido avançada por autores portugueses, influenciados pelo lusotropicalismo dos anos 1960, descrito por Gilberto Freire, mas continua a ser retomada em várias publicações.

As versões mais acessíveis do texto de Baltasar Dias, são a sua digitalização pela Biblioteca Nacional de Portugal: a de 1737, editada em Lisboa por António Pedroso Galrão e a de 1789, também editada em Lisboa, mas por Francisco Borges de Sousa, um texto de novo publicado em 1907 no Porto.

Em 1851, Almeida Garrett publicou a segunda parte do Romanceiro e Cancioneiro Geral, uma recolha de romances no qual se incluía "O Marquês de Mântua", sem atribuição de autor, mas devido à notoriedade de Almeida Garrett, é possível que alguns dos santomenses de regresso ao país após os seus estudos na Europa, tenham levado consigo o texto, pois parece pouco provável que São Tomé o tenha conhecido antes dessa data.

Em 1969, em São Tomé, Fernando Reis edita o livro "Pôvô Flogá" (o povo brinca em tradução livre) uma versão remodelada do texto original, que se inspira na transcrição de Almeida Garrett, acampanhada de comentários em português antigo e que constitui ainda a obra de referência sobre o Tchiloli.

Verdade é que o Tchiloli nunca é mencionado nas primeiras obras sobre São Tomé e Príncipe, que descrevem os usos e costumes do arquipélago no século XIX.

A implantação do Tchiloli em São Tomé só é verdadeiramente atestada a 1 de setembro de 1880 o jornal "O Povo Ultramarino" anuncia a fundação da Associação Sociedade África 23 de Setembro, celebrando o Tchiloli como "o género teatral mais expressivo do folclore santomense", mas atribui-o a Estanislau Augusto Pinto, fundador da dita Sociedade.

Outras hipóteses foram aventadas, por exemplo uma importação em várias etapas, mas até hoje, não se sabe com certeza as circunstâncias da introdução do Tchiloli, nem a data da primeira representação em São Tomé.

Com o decorrer do tempo os 1.355 octosílabos de Baltasar Dias sofreram poucas modificações: 920 versos foram conservados na versão actual do Tchiloli.

Mas o texto original contém algumas passagens posteriores em prosa e em português moderno, sobretudo nas passagens ligadas ao inquérito criminal e ao processo judicial, dando assim livre curso à improvisação do actor.

 

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