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Napoleão e Portugal

Ano de Napoleão: viremos as páginas

Por altura dos 200 anos da morte de Napoleão Bonaparte, as redacções da RFI em línguas estrangeiras decidiram revelar alguns aspectos desconhecidos da obra napoleónica que deixou inúmeros vestígios ainda presentes hoje, em França, e e em muitos outros países do mundo. Estas produções originais são o fruto de uma série de reportagens e de dossiers digitais seguindo as pegadas do "Imperador dos Franceses" no Brasil, na Bélgica, na Rússia, em Espanha, em Portugal, na Roménia, mas também em França.

Sélection d’ouvrages parus l’année du bicentenaire de la mort de Napoléon.
Sélection d’ouvrages parus l’année du bicentenaire de la mort de Napoléon. © Patrice Martin, 2021.
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Em Dezembro de 2021 chega ao fim este "Ano Napoleão" e após as reportagens áudio, fotografias e vídeos é através das palavras que abordamos este ano durante o qual cerca de uma centena de livros foram consagrados a Napoleão, e pelo menos, o equivalente em termos de títulos de imprensa.

«Vivo ele falhou o mundo, morto é dono deleFrançois-René de Chateaubriand.

Desde que morreu em 1821 é mais do que um livro por dia, segundo a fórmula celebrizada por Jean Tulard, que é publicado, e logo escrito, no mundo sobre o Imperador. No entanto este número deveria ser muito superior, segundo Chantal Prévot, bibliotecária da Fondation Napoléon (Fundação Napoleão) que advoga um novo cálculo.

Reunindo todos os bancos de dados das maiores bibliotecas do mundo, atinge-se 1,8 ou mesmo 2 obras publicadas por dia desde a morte de Napoleão. Se se acrescentar os conteúdos audiovisuais a cifra atinge mais de 3 por dia. O que representa cerca de 220 000 obras e, sublinhe-se, apenas com base nas palavras "Napoleão" ou "Bonaparte" no título.

Com uma leitura intensiva, de duas páginas por minuto, e com uma média baixa de 200 páginas por obra, seria necessário um século de leitura sem interrupção para ler tudo ! Desde que morreu Napoleão fascina, pois, o mundo da literatura e da edição. 

Quer seja para escrever sobre a lenda algo sombria dele ou ainda para moldar o mito. E, desde há várias décadas, para verdadeiramente fazer História. Com o bicentenário da sua morte este ano e contrariamente, talvez, às aparências não houve uma grande intensificação editorial em termos de produção. Os livros publicados este ano teriam acabado por ser lançados, com ou sem o bicentenário.

Nos estudos napoleónicos, as publicações são regulares e estáveis em termos de números. Em contrapartida houve uma nítida intensificação em termos do número de exemplares com, ao que consta, um número muito superior ao dos anos anteriores, graças a sucessos de livraria como "Pour Napoléon" (Para Napoleão) de Thierry Lentz publicado pela editora Perrin que se aproxima dos 20 000 exemplares vendidos, um recorde para este tipo de obra, ou ainda "Napoléon à Saint Hélène" (Napoleão em Santa Helena) de Pierre Branda, também do mesmo editor.

Tudo isto ocorreu com o empurrão do eco mediático destas produções e das polémicas -rapidamente extintas- suscitadas pelas comemorações da morte de Napoleão. E não houve, aliás, este ano, é de frisar, nenhuma obra maior anti-Napoleão.

Outro aspecto deste bicentenário que deu lugar a uma multiplicação inédita de obras foram as exposições.

Elas foram mesmo muitas e os respectivos catálogos também. Desde “Napoléon n’est plus” (Napoleão morreu) no museu parisiense Musée de l’Armée (Museu do exército), (quase 45 000 entradas apesar do impacto da crise sanitária) ! Até à imensa “Napoléon” (Napoleão) no recinto de La grande halle de la Villette, passando também por “Un Palais pour l’Empereur” (Um Palácio para o Imperador) no Castelo de Fontainebleau (que acolhe, aliás, uma das mais bonitas bibliotecas de Napoleão, renovada para o efeito) ou ainda a exposição “Napoléon et la littérature” (Napoleão e a literatura) no museu Masséna em Nice explorando as razões do lugar que ocupa o Imperador na criação literária.

« Sempre ele ! Ele em todo o lado ! – Ou a arder ou de gelo.» Victor Hugo

Onde a intensificação foi maior , mais visível e em certos aspectos mais inesperada foi na área que Napoleão receava mais do que 100 000 baionetas: os jornais e a imprensa, em geral, nacional, local, generalista e especializada.

Descente dans les ateliers de la liberté de la presse.
Descente dans les ateliers de la liberté de la presse. © Grandville. 1833

Napoleão gostava tanto dela, da imprensa, que a colocava sob vigilância policial; a imprensa de ontem e de hoje gosta tanto de Napoleão que o coloca sob o controlo ou da moral ou dos historiadores.

De qualquer das formas ela continua a interessar-se por ele. Constatar a verdadeira explosão editorial que o Imperador suscitou é algo fácil de se fazer, mas quererá isso dizer que as relações entre o Imperador e a imprensa se apaziguaram?

Um elemento de resposta reside no facto de que as polémicas acabaram por se esmorecer. Seja sobre a responsabilidade a propósito da condição humana: a dos escravos, das mulheres, dos soldados ou ainda dos civis.

O essencial que retemos para este bicentenário foi o número vertiginoso de jornais que acabaram por rivalizar em termos de ideias para ilustrar o acontecimento e as múltiplas razões de ser, histórica, artística, literária, jurídica, política desta comemoração.

Entre os grandes títulos foi o Le Point que, desde Dezembro de 2020, foi o primeiro de uma longa série de números especiais com, por exemplo, Le Figaro, Le Monde, e Paris Match.

Cada um deles utilizava um adjectivo mais elogioso ou mais crítico para sublinhar, uma vez mais, a relação ambígua que o Imperador mantinha com a imprensa.

O que explica também qual o motivo pelo qual a imprensa de opinião francesa não ficou de fora tendo como melhor exemplo o semanário satírico Charlie Hebdo que preencheu a sua manchete com um desenho de um Napoleão gigante apontando canhões contra arranha céus de habitação social com o sub-título “Mais um militar na reforma que nos vem chatear !” reagindo ao artigo de opinião que abalou a França no mesmo período.

Parente próxima destes grandes títulos nacionais a imprensa diária, que inclui dezenas de jornais, fez referência com frequência em várias províncias de França às tantas histórias,  grandes ou pequenas, em torno do Imperador dos Franceses.

Finalmente, e logicamente, a imprensa especializada sobre História, uma das outras excepções francesas ao abarcar grande número de títulos destinados ao grande público e produzidos por independentes ou equipas ligadas a grupos de imprensa ou editoras, não falhou este aniversário.

Os leitores, tanto para os livros como para a imprensa, marcaram presença, mesmo se, ao que parece, essa categoria estivesse em plena mutação.

Eles seriam menos do que no passado, mas adquirem mais livros e são atraídos por obras que propõem formatos de leitura mais contemporâneos: um dicionário que não se lê de uma só vez, romances gráficos, bandas desenhadas, bem como livros e artigos mais curtos. A História hoje, como nas demais áreas, é mais algo que se consome como aperitivo do que algo que se devora.

« O que ele não resolveu pela espada, acabarei por cumprir com a pena. » Honoré de Balzac

Esta multiplicação de livros, de edições especiais e de artigos que se acumularam desde a morte de Napoleão é, se assim quisermos, uma homenagem póstuma àquele que foi um leitor compulsivo bem como um censor activo, encabeçando um “império”  de 70 000 livros distribuídos em várias bibliotecas.

Leitor habitual, Napoleão organizava ele próprio as suas bibliotecas, da constituição do fundo à classificação das obras e ele lamentava muito que a sua última, a de Santa Helena, abarcasse apenas 5 000 obras !

Biblioteca da Galeria de Diana, Castelo de Fontainebleau
Biblioteca da Galeria de Diana, Castelo de Fontainebleau © Florian Riva, 2014

Ele devorava todo o tipo de livros: história, geografia, filosofia, poesia, teatro e, mesmo, dir-se-ia hoje, literatura para descontrair. Napoleão lia, pois, de tudo, excepto e é de assinalar, obras religiosas, como homem herdeiro do espírito da Revolução francesa e filho da filosofia das “Luzes”.

Este feitio de leitor apaixonado de livros e de bibliotecas ganhou maior dimensão com o seu isolamento em Santa Helena onde a leitura era o seu passatempo favorito.

A sua biblioteca foi como o seu último lugar de poder até à morte a 5 de Maio de 1821. Virar as páginas do ano de Napoleão pelo prisma da imprensa e da literatura era, para as redacções de línguas estrangeiras da RFI, uma forma ideal de abrir o capítulo do ano que se avizinha: o dos 400 anos de um outro Francês conhecido no mundo inteiro; Jean-Baptiste Poquelin conhecido como Molière.

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