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#Arte

Paula Rego deixa ao mundo os seus "contos cruéis"

A pintora Paula Rego, uma das mais aclamadas e premiadas artistas portuguesas a nível internacional, morreu esta quarta-feira em Londres, aos 87 anos. A RFI falou com a pintora na exposição "Os contos cruéis de Paula Rego", no Museu de l’Orangerie, em Paris, em Outubro de 2018 e repõe aqui a reportagem.

Paula Rego au Musée de l'Orangerie à Paris, 16 Octobre 2018.
Paula Rego au Musée de l'Orangerie à Paris, 16 Octobre 2018. RFI/Carina Branco
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Paula Rego estudou nos anos 1960 na Slade School of Art, em Londres, onde se radicou definitivamente a partir da década de 1970, mas com visitas regulares a Portugal. A Casa das Histórias, em Cascais, acolhe parte da sua obra, desde 2009.

Nascida a 26 de janeiro de 1935, em Lisboa, Paula Rego foi galardoada, entre outros, com o Prémio Turner em 1989, e o Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso em 2013, além de ter sido distinguida com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada em 2004. Em 2010, recebeu da Rainha Isabel II a Ordem do Império Britânico com o grau de Oficial, pela sua contribuição para as artes. Em 2019, recebeu a Medalha de Mérito Cultural do Governo de Portugal.

A RFI falou com a pintora na exposição "Os contos cruéis de Paula Rego", no Museu de l’Orangerie, em Paris, em Outubro de 2018. A mostra, que ficou patente até Janeiro de 2019, juntou cerca de 60 obras da artista portuguesa e algumas obras de Goya, Degas, Manet, David Hockney e Ron Mueck, entre outros. Nesta reportagem, “Os contos cruéis de Paula Rego” são narrados por ela, pelo filho e pela directora do museu.

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Reportagem Paula Rego 2018

São histórias que ilustram a bela crueldade do mundo através da pintura, gravura e escultura. A portuguesa era, em 2018, a primeira artista viva a ter uma exposição individual no Musée de l’Orangerie, em Paris. Eram cerca de 60 obras, de pequenos a grandes formatos, de gravuras a pinturas em acrílico e pastel, passando pelos bonecos modelados no seu ateliê, em Londres.

“Trata dos meus bonecos todos que eu fiz. É simplesmente isso. Mulheres, homens, bichos, muitos bichos, o porco, muita coisa. Vem da minha tia Ludgera que me contava histórias todos os dias. Era sempre a mesma história, mas ia continuando muitos dias, muitos dias. Era da dona Francisca que me contava as histórias quando eu era pequenina até eu adormecer…”, contava Paula Rego.

 “Paula Rego é uma das esquecidas da história da arte oficial que se vai redescobrindo aos poucos”, escrevia, então, a revista francesa Les Inrockuptibles. Nascida em Lisboa, foi para Londres ainda adolescente, deixando para trás a ditadura de Salazar e a cultura portuguesa que transparecem nos seus quadros. Única mulher da prestigiada Escola de Londres, a sua obra figurativa bebe dos contos da tradição popular e da literatura, com um pendor fantástico e autobiográfico.

Na exposição, viam-se contos aparentemente infantis, inspirados nas irmãs Brontë, em Eça de Queirós, Charles Dickens e Jean Genet. Havia personagens estranhas, jogos de submissão e opressão, ambiguidades dignas de interpretações freudianas. As mulheres eram simpáticas e cruéis, vítimas e manipuladoras, heróicas e triviais, artistas e musas. Havia cães que são homens, mulheres que imitam animais e crianças que não se sabe se riem ou se choram. Os animais eram domesticados pelas comédias humanas de violência, intrigas e traições. “Paula Rego, Histórias & Segredos” foi o filme que Nick Willing fez para retratar a sua mãe e a sua obra é muito mais do que parece.

O que a mãe não disse é que as histórias vêm de histórias portuguesas, de contos do Eça de Queirós, da literatura portuguesa, mas também inglesa. O que a mãe faz que é diferente é que põe lá dentro também as experiências pessoais. E é isso que faz a diferença. Estes quadros não são só das histórias, isto são quadros mais das histórias dela própria, da vida dela, da experiência de mulher que viveu num tempo muito difícil, durante Salazar, mas também as experiências de uma mulher casada com um homem e de uma mãe, coisas que são intimas”, explicou Nick Willing.

O cineasta sublinhou: “É muito importante estar em Paris porque França sempre foi um país muito difícil de entrar. Agora, finalmente, com esta exposição vai mudar muito”.

Paris esqueceu Paula Rego mas Cécile Debray, a diretora do Musée de l’Orangerie e curadora da exposição quis corrigir o passado.

É uma aposta porque, para mim, a Paula Rego é uma artista imensa que não tem o reconhecimento que ela merece em França. Eu sei que ela é muito conhecida em Portugal, um pouco em Londres, mas não o suficiente. Claro que, para mim, ela merece a notoriedade de uma Louise Bourgeois e penso que isso vai acabar por acontecer”, considerou Cécile Debray.

A pintura de Paula Rego surge na senda dos figurativos modernos, Matisse, Picasso, Modigliani, Soutine e enraíza-se na tradição ilustrativa do século XIX com Goya, Gustave Doré, Odillon Redon e Grandville.Mas também evoca as linhas e cores dos primitivos italianos como Piero Della Francesca e a solenidade de um Velázquez ou de um Caravaggio. Além disso, é uma obra produzida no tempo de David Hockney, Lucian Freud, Francis Bacon, Louise Bourgeois ou Balthus.

Ecos artísticos que se sentiam na mostra parisiense, com a exposição de algumas obras de Goya, Degas, Manet, David Hockney e Ron Mueck, entre outros.  A comissária também colocou as “mulheres-cães” de Paula Rego em frente a três bailarinas de Edgar Degas, as quais também ladeiam as “mulheres-avestruzes” da artista portuguesa.

Se olhar para estas “mulheres-cão”, os primeiros pastéis de Paula Rego, em frente às bailarinas de Degas, o que é extraordinário é que ela não é atropelada por Degas nem Degas é atropelado por ela. Tudo respira de forma muito equilibrada. Deve ter reparado que, à excepção dos pastéis de Degas, a maior parte das obras dos outros artistas são gráficas porque o foco é dado à Paula Rego.”

Ou seja, são contrapontos que permitem mostrar, por exemplo, que ela tem uma obra que ecoa com a da Louise Bourgeois; que ela apresentou as Nursery Rhimes ao mesmo tempo que David Hockney expôs uma série de desenhos – e ele é muito mais conhecido do que ela apesar de terem exposto ao mesmo tempo.”

No fundo, são pequenas notas que contextualizam a obra de Paula Rego na Escola de Londres e num panteão mais largo e mais histórico”, acrescentou Cécile Debray.

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