Acesso ao principal conteúdo

A presença de cerca de 3 mil migrantes em Calais, porto francês no litoral da Mancha, provoca tensão na cidade. A maioria dos clandestinos quer imigrar para a Inglaterra, mas se encontram bloqueados na França pelo endurecimento dos controles fronteiriços. Nas ruas de Calais, moradores exacerbados pela presença dos estrangeiros adotam atitudes racistas.

Migrantes mulheres da Eritreia preparam refeição para inauguração de igreja no acampamento de Tioxide em Calais.
Migrantes mulheres da Eritreia preparam refeição para inauguração de igreja no acampamento de Tioxide em Calais. A. Moyses
Publicidade

Adriana Moysés, enviada especial a Calais

Nos últimos meses, incidentes de violência protagonizados por alguns migrantes causaram revolta em Calais. O policiamento foi reforçado pelo Ministério do Interior, passando para 2.300 homens, contra 1.500 no mês de julho. A população local é de 75 mil habitantes.

O tema da imigração divide opiniões, assim como acirra preconceitos e o racismo. A RFI encontrou três idosas retirando dinheiro de um caixa eletrônico na principal rua comercial da cidade. Elas aceitaram dar entrevistas, mas não quiseram ser identificadas.

Racismo banalizado

Uma idosa relatou estar "farta dessa gente". "Os imigrantes do Kosovo eram gente de bem, mas os negros, não obrigada. Eles são agressivos, correm atrás das jovens para violentá-las", disse a senhora. Com a aproximação do Natal, a preocupação aumenta.

"Não podemos mais buscar dinheiro no banco sozinhas, vamos sempre acompanhadas. Outro dia, uma cabeleireira foi agredida atrás da prefeitura. Agora, ela se tranca no salão de beleza e só abre a porta quando a cliente toca a campainha. A gente não tem mais segurança", reclamou a idosa.

Uma amiga que a acompanhava relatou: "Meu filho que mora no departamento de l'Ain fica preocupado com as imagens que vê na televisão sobre a situação em Calais. Ele quer que eu vá passar uns tempos na cidade dele, se as coisas piorarem. Ele tem medo por mim. Todos os meus filhos estão preocupados. Um outro, quando vem me visitar, fala: espero que eles não encostem em você, mãe".

Bodes expiatórios

"Eu aho que existe muito racismo e agora os racistas falam sem a menor inibição. Eles ousam dizer nas ruas que são racistas e parece que isso virou uma coisa normal para muita gente", diz o farmacêutico Yves Aubry. Ele atua como voluntário ao lado dos imigrantes, mas ouve diariamente, no balcão da farmácia, comentários preconceituosos. "Eu não acho que toda a população de Calais seja assim, nem a maioria, mas agora os racistas se exprimem abertamente e sem nenhum complexo."

Com uma taxa de desemprego de 16%, 5,5 pontos acima da média nacional, a cidade de Calais tem medo que sua atividade econômica seja ainda mais prejudicada por causa da imigração.

O farmacêutico Yves acha que clandestinos têm pago a conta por outros problemas.

"Muita gente desaprova totalmente a presença dos imigrantes, imagina que é possível mandá-los embora dizendo a eles que não são bem-vindos e devem partir. Outras pessoas têm a tendência de colocar, nas costas dos clandestinos, os problemas de delinquência que temos em Calais, mas nada disso é novo. Os estrangeiros são bodes expiatórios perfeitos. Na minha opinião, isso favorece o crescimento da extrema-direita", afirma o farmacêutico.

Le Pen diz que ajudar 'atrai imigrantes'

A líder de extrema-direita francesa Marine Le Pen, primeira colocada nas intenções de voto no primeiro turno das eleições presidenciais de 2017, esteve recentemente em Calais. Ela denunciou a ação das ONGs, de associações de moradores e políticos locais que tentam ajudar os imigrantes. Na opinião de Le Pen, essa atitude incentiva a atividade dos "coiotes", das redes de tráfico de humanos e atrai um número incessante de imigrantes.

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, que fechou as portas da Grã-Bretanha à imigração, tem um discurso semelhante ao de Marine Le Pen.

O governo do presidente François Hollande, depois de cobrar uma solução compartilhada, já que a maioria dos migrantes bloqueados em Calais querem ir para a Inglaterra, obteve uma verba de €15 milhões (R$ 46 milhões) dos ingleses. O dinheiro está sendo utilizado para erguer muros e barreiras metálicas cobertas de arame farpado em viadutos, nas estradas e nos locais onde os migrantes costumam abordar os caminhões. Os moradores de Calais sabem que essas medidas são inúteis.

Europa perde sem uma política comum

A falta de uma política europeia de imigração alimenta preconceitos, o racismo e não inibe a chegada dos imigrantes ao continente. O médico Jean François Corty, diretor de operações da ONG Médecins du Monde (MDM), uma das mais ativas em Calais, denuncia essa passividade.

"Falta solidariedade na Europa em matéria de acolhimento dos imigrantes e gestão do fenômeno migratório. O que a gente vê até o momento é um consenso europeu em torno de medidas para bloquear a imigração, principalmente no mar Mediterrâneo. Porém, esse dispositivo é insuficiente, porque muitas pessoas morrem e os imigrantes continuam a chegar. Nós precisamos de mais integração na Europa", diz Corty.

Segundo o médico, o exemplo caricatural da imigração em Calais ou na ilha de Lampedusa, na Itália, é o símbolo de "uma Europa socialmente inacabada". Para Corty, "viver na rua ou em terrenos baldios não é aceitável em um país como a França".

Todos os analistas estão de acordo que o fluxo de imigrantes para a Europa vai crescer nos próximos anos.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.