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A extrema precariedade caracteriza o cotidiano dos quase 3 mil migrantes estrangeiros que vivem atualmente em Calais, no norte da França, aguardando uma oportunidade de cruzar o canal da Mancha e chegar à Inglaterra, onde sonham se instalar. A presença dos estrangeiros causa medo e divide os moradores da cidade.

Voluntários da ONG Médecins du Monde visitam acampamento de migrantes, em Calais.
Voluntários da ONG Médecins du Monde visitam acampamento de migrantes, em Calais. A. Moyses
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Adriana Moysés, enviada especial a Calais

Originários de países em guerra ou politicamente instáveis, como Síria, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Etiópia, Sudão e Eritreia, os migrantes de Calais sobrevivem com a ajuda de entidades civis. A explosão recente do número de migrantes - cerca de 3 mil para uma população de 75 mil habitantes - preocupa os moradores. Muita gente se mostra irritada com o vaivém incessante dos estrangeiros nas ruas, outros ficam comovidos e tentam ajudar. É o caso do aposentado Christian Salomé. O francês é fundador da ONG L'Auberge des Migrants, que distribui refeições gratuitas aos clandestinos.

Salomé conta que, até pouco tempo atrás, eram servidas cerca de 200 refeições por dia aos migrantes. Atualmente, esse número subiu para 600 a 800 refeições diárias. Na verdade, o número de migrantes em Calais depende essencialmente do número de conflitos no mundo, particularmente na África.

É o caso da Líbia nesse momento. O país está em plena guerra civil e as pessoas fogem de lá. Além disso, moradores de países do centro da África que trabalhavam na Líbia estão tentando a vida na União Europeia.

Pelas conversas que ouve, Salomé estima que 1 milhão de pessoas querem vir para a Europa. As guerras na Síria e no Afeganistão agravam a situação. "Até os americanos, que tentaram ajudar, estão indo embora do Afeganistão", lamenta Salomé.

De acordo com Salomé, a situação em Calais piorou porque a Grã-Bretanha se recusa a acolher novos refugiados de guerra, gerando um bloqueio dos migrantes no norte de França. "Todas as noites, eles tentam passar para a Inglaterra escondidos em caminhões ou no porta-malas de carros, em condições extremamente perigosas", relata Salomé. 

Numerosos demais para serem deportados, os migrantes de Calais são tolerados pelo Estado francês. A polícia exerce apenas um papel de intimidação, fazendo controles frequentes. O policiamento nas ruas é ostensivo, para dar uma satisfação aos moradores preocupados com a segurança, mas inoperante no que diz respeito às expulsões. Os policiais raramente entram nos acampamentos onde moram os migrantes. Por outro lado, as autoridades tentam dificultar ao máximo a sobrevivência desses estrangeiros.

Farmacêutico abrigou migrante sírio em casa

O farmacêutico Yves Aubry, recém-engajado como voluntário na ONG Médecins du Monde (MDM), resolveu arregaçar as mangas e ajudar. Em seu primeiro dia como voluntário, na semana passada, ele ficou indignado com o que viu. Policiais cortaram a água dos hidrantes usados pelos migrantes para se abastecer. "Eles já estão do lado de fora, acampados em florestas, sem aquecimento, vivendo em condições totalmente indignas de um país como o nosso, e além do mais são privados de água", disse Yves. "Sem água, um ser humano não consegue sobreviver mais de 48 ou 72 horas. Eu acho isso totalmente desumano. Não sei se a polícia faz isso a mando da prefeitura ou do Estado. De toda forma, fica evidente que eles não fazem nada no plano político", afirma o farmacêutico.

Yves Aubry decidiu se associar a Médecins du Monde depois de acolher em sua casa um refugiado sírio de 19 anos. Ele conta que deu comida ao rapaz durante um mês, além de abrigá-lo para dormir algumas noites. Essa experiência despertou no francês vontade de fazer mais e conhecer de perto a situação dos migrantes. "Eu e minha mulher temos uma filha da mesma idade e foi por isso que tivemos vontade de cuidar do rapaz", acrescenta.

Medo dificulta aproximação

O migrante sírio, segundo Yves, contou à família um pouco de sua história, mas sem entrar em detalhes: "eles ficam desconfiados, têm medo que a gente os denuncie à polícia, mesmo quando demonstramos interesse em ajudar".

O jovem ainda vive em Calais, come de vez em quando na casa do farmacêutico, mas como está ilegal, não pode ficar por um prazo maior. "A gente explicou a ele que se fizesse muito frio, ele poderia voltar e dormir uma ou duas noites em casa, mas não podemos assumir o risco de abrigar um clandestino por muito tempo", relatou. Yves afirma que não foi criticado pelos vizinhos ou pelos colegas da farmácia por acolher um clandestino em sua casa. Todos entenderam a situação.

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