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Artes

Vhils expõe "fósseis contemporâneos" e pára o tempo em Paris

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Vhils está de volta a Paris com a exposição “Momentum” na Galeria Danysz, que abriu esta terça-feira e decorre até 23 de Dezembro. A mostra fala sobre “a condição humana num momento em suspenso” de pandemia e de confinamentos. O artista apresenta cerca de 30 obras inéditas que são “fosseis contemporâneos” de um presente quase distópico e que ditou a compressão do espaço social, individual e urbano.

Alexandre Farto (Vhils) na Danysz Gallery, em Paris. 9 de Outubro de 2020.
Alexandre Farto (Vhils) na Danysz Gallery, em Paris. 9 de Outubro de 2020. © Carina Branco/RFI
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Do "amor pela ruína" à "arqueologia do presente", a conversa com Alexandre Farto (Vhils) começa com a explicação da mostra “Momentum” na Galeria Danysz, em Paris, de 13 de Outubro a 23 de Dezembro. Momentos antes da entrevista, o artista português mostrava a exposição a um amigo, um ilustre conhecido no mundo da arte urbana internacional, o francês JR, com quem trabalhou e deve voltar a trabalhar.

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ARTES Vhils em Paris

Alexandre Farto (Vhils) na Danysz Gallery, em Paris. 9 de Outubro de 2020.
Alexandre Farto (Vhils) na Danysz Gallery, em Paris. 9 de Outubro de 2020. © Carina Branco/RFI

“Momentum é um reflexo do momento em que vivemos, em suspenso. Todo o trabalho que está aqui vinha de uma reflexão de quase dois anos de pesquisa e materializou-se nos últimos seis a oito meses quando basicamente fiquei sem projectos e viagens e fiquei fechado no atelier. Parte do trabalho que está aqui foi um bocadinho uma reflexão sobre isso. Sobre a condição humana no tempo em que vivemos – o meu trabalho sempre fez essa pesquisa da condição humana no espaço urbano – mas, acima de tudo, o momento de suspensão em que vivemos e também o impacto que tem na nossa saúde mental e todas as questões que se estão a levantar”, começa por descrever Alexandre Farto.

Entre as questões “que estavam presentes mas que estavam latentes na sociedade” e que, “de repente ficaram mais visíveis e expostas”, está a exposição “como nunca antes a todos os estímulos visuais, de comunicação, de publicidade, até em termos políticos” e a privação de coisas básicas por causa da crise sanitária.

“O trabalho que eu tentei fazer aqui foi um bocadinho criar os fósseis contemporâneos do momento em que vivemos, quase como uma reflexão sobre o momento em suspenso em que vivemos”, continua.

“Momentum” conta com mais de 30 obras feitas a partir de “materiais que a cidade vai expelindo ou esquecendo”, num despertar para a “maneira como a sociedade está montada de forma descartável” e “o quão aquilo que nos rodeia é efémero e abandonado”.

“Há aqui um processo de reaproveitamento e de amor à ruína, de dar valor à ruína e de trazer aquilo que nós não damos valor ao de cima. Isso também é um acto político no seu sentido lato”, explica.

Nesta abordagem de arqueólogo do presente, Vhils vai buscar restos das cidades ou esculpe rostos em paredes monumentais. Aqui, em “Momentum”, os materiais são mais compactos e delicados. As pilhas de cartazes de rua são coladas entre resina e flutuam num espaço transparente, um quadro ou uma escultura sobre suporte metálico, deixando ver as diferentes camadas voluntariamente fossilizadas pelo artista.

“Todos esses materiais que vou buscar são materiais da contemporaneidade e também trabalho sobre os desafios da sustentabilidade toda do planeta neste momento. São materiais que representam esta era, com tudo de mau e de bom”.

A maior peça da exposição está à entrada, na fachada da galeria, com lâmpadas florescentes alinhadas na diagonal e que quando se iluminam, por intermitência, revelam um rosto.

“Vem um bocadinho nesta coisa de utilização de materiais mundanos, a que não damos valor. São basicamente lâmpadas florescentes que é uma coisa massificada altamente tóxica e que ali não são feitas desta forma, são feitas de outra, mas também é algo que nos representa. Por outro lado, é também a suspensão e a intermitência da Humanidade. É o ponto em que estamos, a intermitência das nossas liberdades, do nosso momento de viver, com as grandes questões que estão a ser levantadas com toda a situação em que estamos. É nessa peça que está maioritariamente desligada que, de vez em quando, se consegue ver a Humanidade, mas é como se a nossa Humanidade ficasse em suspenso nestes últimos tempos”, afirma.

Outra peça em exposição é uma compressão que faz pensar nos trabalhos do escultor neo-realista francês César, mas aqui são rostos e olhares que são comprimidos porque se está a esgotar um modelo de sociedade.

Ultimamente, com todo o modelo de desenvolvimento global, com a eficiência máxima do uso do espaço dentro da cidade, com as casas cada vez mais pequenas, com o espaço do ser humano a ser cada vez mais eficiente mas também cada vez mais apertado, esta compressão está a chegar a um limite em que ainda não percebemos bem o que vai acontecer a seguir mas, principalmente com a pandemia, todo esse processo foi acelerando cada vez mais.

Há obras que, pelo contrário, sugerem uma certa expansão, com diferentes camadas que sobressaem de um suporte translúcido à medida que o visitante se aproxima ou se afasta. São obras que “têm um olhar mais positivo”, mas também têm “a componente humana que se mistura com as cidades, com os anúncios de publicidade”. “Ou seja, a própria identidade que muitas vezes estava presente no meu trabalho de uma forma muito pura e clara, em quase todos os trabalhos está a caminhar para uma abstracção e uma mistura com uma série de paisagens urbanas ou de grafismos ou de imagens às quais somos expostos todos os dias. Nessa perspectiva, cada peça tem nela todos os medos e todas as ambições e esperanças.

Neste ano atípico, Alexandre Farto esculpiu um mural de Zeca Afonso, no dia 25 de Abril, numa das paredes de sua casa para lembrar a importância das liberdades “num tempo de pandemia em que todos estavam restringidos”. Fez, ainda, um mural no Hospital de São João no Porto dedicado aos profissionais de saúde que combatem a covid-19 e convidou vários artistas para exporem obras criadas durante o confinamento na sua galeria em Lisboa, a Underdogs. Vhils foi, ainda, um dos seleccionados para um apoio da Netflix e do Instituto do Cinema e Audiovisual para avançar com o documentário “Paredes Brancas, Povo Mundo”.

“A ideia é falar sobre as manifestações artísticas, legais ou ilegais, no espaço público em Portugal desde 1974 até hoje. A meu ver é algo que está muito esquecido. Há muito esta ideia que o graffiti e a ‘street art’ só surgiram agora, mas a história que existe com as paredes em Lisboa e Portugal vem de muito atrás, desde os azulejos, às políticas questionáveis do Estado Novo de arte no espaço público, até aos muralistas de 74, às pinturas colaborativas que existiam e que aconteceram em vários sítios em Lisboa, aos movimentos anarcas e okupas que durante os anos 80 pintaram muito no espaço público, ao graffiti que surgiu nos anos 90, à ‘street art’ que surgiu em 2000… Tende-se a esquecer um pouco a riqueza histórica que existe das paredes de Portugal e que foram sempre espaço de liberdade, manifestação pessoal, política, artística.”

 

 

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