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História

Centenário do nascimento do intelectual senegalês Cheikh Anta Diop

Fez hoje 100 anos que nasceu em Thieytou, no Senegal, o intelectual Cheikh Anta Diop. Cientifico, historiador, antropólogo e pensador político senegalês, ele foi autor de numerosas obras sobre a Historia de Africa antes da colonização, e contribuiu para dar a conhecer o contributo do continente para a Historia universal.

Fresco mural representando Cheikh anta Diop na entrada da cidade universitária de Dakar.
Fresco mural representando Cheikh anta Diop na entrada da cidade universitária de Dakar. © Véronique Gaymard/RFI
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Nascido no dia 29 de Dezembro de 1923 em Thieytou, no sul do Senegal, no seio de uma família aristocrática, Cheikh Anta Diop revela cedo uma grande apetência pelo conhecimento e aos 23 anos, parte rumo a Paris para estudar física e química em paralelo com estudos de História e Ciências Sociais.

Em 1951, ele apresenta na universidade da Sorbonne uma tese de doutoramento em que afirma que o Egipto Antigo era povoado de africanos negros e que a língua e cultura desse país acabou por disseminar-se na África Ocidental. Apesar de não ter feito a unanimidade no meio académico, esta tese acaba por ser publicada em 1955 sob o formato de um livro intitulado "Nations nègres et culture" ('Nações negras e cultura') que terá imenso eco.

Em 1960, depois da independência do seu país e após obter o seu doutoramento, regressa ao Senegal onde vai ser professor universitário e investigador. Em 1966, ele funda um laboratório para datar amostras arqueológicas pelo método do carbono 14, em colaboração técnica com o laboratório francês de Gif-sur-Yvette do Comissariado para a Energia Atómica (CEA).

Paralelamente à sua actividade de ensino e pesquisa, ele também lança duas revistas científicas nos anos 70, contribui para o desenvolvimento de um sindicato camponês e dirige-se paulatinamente para a acção política, defendendo o pan-africanismo, ideias plasmadas nomeadamente no livro 'Les fondements économiques et culturels d'un état fédéral d'Afrique Noire' - 'Os fundamentos económicos e culturais de um estado federal da África Negra'- (1960).

Depois de formar dois partidos, o Bloco das Massas Senegalesas em 1961 e a Frente Nacional senegalesa em 1963, ambas proibidas pelo poder, ele funda em 1976 a União Nacional Democrática (RND) que só obtém reconhecimento oficial em 1981. Dois anos mais tarde, ele alcança um mandato de deputado nas eleições gerais de 1983, mas denuncia fraudes e recusa ocupar o seu assento no parlamento.

No dia 7 de Fevereiro de 1986, Cheikh Anta Diop morre, deixando atrás de si um vasto legado intelectual que abordamos com Ahmed Kebe, antigo professor no departamento de língua portuguesa da universidade Cheikh Anta Diop, em Dakar.

RFI: O que representou Cheikh Anta Diop no panorama intelectual do Senegal e de África?

Ahmed Kebe: Cheikh Anta Diop é um dos maiores intelectuais africanos, isto já na década de 50. Quando ele quis apresentar a sua tese sobre 'Nações negras e cultura', uma tese que não foi aceite na Sorbonne porque, na altura, estávamos na era da colonização e aquela tese que ele quis defender era realmente revolucionária. Dizer que os antigos egípcios eram africanos, isto era um pouco fora do comum! Portanto, é a partir daí que ele vai ter aquela fama de grande intelectual africano.

RFI: Depois de se doutorar em Paris, ele vai para o Senegal onde vai ser professor universitário e onde vai de facto contribuir para a evolução de várias áreas no seu país.

Ahmed Kebe: Quando Cheikh Anta Diop chegou em Paris, em primeiro lugar, ele tirou um curso de filosofia. Depois, tirou curso de química e fez licenciatura em física. Foi assim que ele se tornou um grande antrópologo. Quando a tese dele foi recusada, ele preparou uma outra tese que defendeu na Sorbonne e aquela primeira tese que tinha defendido,"Nations nègres et culture", foi publicada. Ele voltou ao Senegal. Quis trabalhar na Faculdade de Letras, mas devo lembrar que na altura a Universidade de Dakar estava sob o jugo da França. Quando ele quis ingressar na Faculdade e letras, no departamento de História, os franceses que estavam lá na altura não deixaram Cheikh Anta Diop entrar na universidade. Ele foi trabalhar no IFAN, que era o Instituto Francês de África Negra e que se tornou no Instituto Fundamental de África Negra. foi lá que Cheikh Anta Diop passou uma grande parte da sua carreira, no laboratório de carbono 14. é verdade que depois, na década de 80, ele deu aulas no departamento de História da faculdade de letras de Dakar. foi lá que formou a primeira geração de historiadores especializados na área de egiptologia. Havia também um conflito aberto entre ele e Senghor. Senghor participou no afastamento de Cheikh Anta Diop. Havia uma polémica na linguística, porque Cheikh Anta Diop também era um grande linguista e Senghor também tinha a pretensão de ser um grande linguista. Neste domínio havia uma polémica porque Cheikh Anta Diop tinha fundado duas revistas. A primeira revista era 'Siggi' que em wolof significa 'levantar-se'. Senghor disse que havia um problema na ortografia do título e que havia um único G em 'Siggi'. Cheikh Anta Diop defendeu o contrário. Senghor proibiu a revista 'Siggi'. Cheikh Anta Diop criou uma outra revista com o nome de 'Taxaw'. Isto foi nas décadas de 70-80.

RFI: Para além da sua dimensão de intelectual, professor universitário, de historiador, de antropólogo, Cheikh Anta Diop também teve um papel a nível da política do seu país. Ele tinha suas ideias sobre a forma de o seu país se emancipar.

Ahmed Kebe: Cheikh Anta Diop era um homem multidimensional. Era um intelectual, um historiador, linguista, antropólogo e também era um homem político. Ele criou um partido político. Nos primeiros momentos, o partido foi proibido por Senghor. Durante muito tempo, o Senegal conheceu um único partido político que era o antepassado do Partido Socialista. Quando Senghor quis aderir à União Socialista Internacional, impuseram-lhe certas condições: ele devia proceder a uma abertura democrática. Foi assim que ele autorizou a criação de quatro correntes políticas. Foi nesse âmbito que Cheikh Anta Diop criou o seu partido e participou nas primeiras eleições presidenciais de 1983 e nas legislativas também. Ele obteve um único deputado, mas ele contestou os resultados e não quis entrar na Assembleia Nacional. Foi um dos membros do partido dele que aceitou ocupar o lugar do RND (União Nacional Democrática), isto por volta de 83-84. O ideário político de Cheikh Anta Diop era realmente uma união a nível continental. Além de ser um nacionalista, era um grande pan-africanista. Ele militava pela união do continente africano. Isto também era a base das suas pesquisas. Ele achava que todo o continente africano tinha uma origem egípcia, portanto ele militava pela união de todo o continente.

RFI: O que é que resta hoje em dia de Cheikh Anta Diop. De que forma é que ele continua a moldar o conhecimento no Senegal e em África?

Ahmed Kebe: O sucessor de Senghor, quando Cheikh Anta Diop morreu (em 1986), deram o nome dele à universidade onde ele estava a dar aulas, não só à universidade como ao IFAN, onde ele trabalhava, onde ele tinha o seu laboratório. Aquele instituto também levou o nome de Cheikh Anta Diop. Mesmo a avenida que passa ao lado da universidade também leva o nome de Cheikh Anta Diop. Há muita coisa que lembra a presença de Cheikh Anta Diop. Infelizmente, o que também se pode reter de Cheikh Anta Diop é que as novas gerações, penso eu, não conhecem muito bem Cheikh Anta Diop. A sua herança histórica, cultural, não é ensinada nas escolas públicas senegalesas. Há uma associação de historiadores que militam para o ensino da herança histórica e política de Cheikh Anta Diop não só na universidade como nas escolas primárias e secundárias do Senegal.

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