Acesso ao principal conteúdo
Vida em França

O percurso de Boubaker Adjali, independentista argelino e universal

Publicado a:

Nesta edição da Vida em França, focamos o nosso olhar sobre o percurso ímpar de Boubaker Adjali, um fotógrafo, jornalista e documentarista argelino que lutou pela independência do seu país e depois acabou por se envolver na luta de libertação de numerosos povos, não só de África, designadamente África lusófona, como também do Médio Oriente e da Ásia.

Livro "Boubaker Adjali l'Africain" nas edições Otium. Fevereiro de 2023.
Livro "Boubaker Adjali l'Africain" nas edições Otium. Fevereiro de 2023. © Liliana Henriques / RFI
Publicidade

A pretexto do lançamento há dias de um livro colectivo intitulado "Boubaker Adjali, l'Africain" nas edições Otium, fomos à descoberta desta figura sobre a qual existe pouca documentação mas que contribuiu, não só através das suas imagens e escritos mas também através de um trabalho de bastidores e diplomacia na ONU, para que o mundo fosse informado -do interior- das condições de vida das populações oprimidas pela ocupação, colonização e pela guerra.

Nascido em 1939 numa pequena localidade do leste da Argélia no seio de uma família intelectual, ele ingressa durante a adolescência na FLN -Frente de Libertação Nacional- organização que lutava pela independência do seu país. Será o início de uma vida militante, primeiro como combatente e em seguida através da imagem.

Foi sobre este percurso findo em 2007 que conversamos com a universitária e activista luso-cabo verdiana Luísa Semedo que contribuiu para o livro "Boubaker Adjali, l'Africain". Falamos igualmente com o irmão mais novo do fotógrafo que gere o seu imenso espólio, Chaouki Adjali.

"Aos 15 anos, Boubaker viveu muito mal a colonização enquanto adolescente. Muito jovem, ele moveu-se num meio de nacionalistas argelinos de toda a parte. Havia os comunistas, os nacionalistas, havia activistas de origem francesa. Por conseguinte, o desencadear da luta de libertação coincidiu com a altura em que tinha cerca de 16 anos e partiu disso. Ele cresceu no seio de uma família muito politizada, uma família de intelectuais. Portanto, existiam as bases para ele se empenhar na causa. Isto aconteceu com muitos jovens daquela geração. Boubaker foi parar àquela famosa escola de cinema da antiga Checoslováquia, a FAMU, em formação, enviado pela FLN, Frente de Libertação Nacional. Isto levou-o a tornar-se naquilo que foi : jornalista, fotógrafo, documentarista, cineasta. Para ele, a imagem participava na guerra de todos os movimentos de libertação nos quais se empenhou depois da guerra de independência da Argélia", começa por contar Chaouki Adjali.

Depois de a Argélia alcançar a liberdade em 1962, Boubaker Adjali, fotografo e responsável da secção audiovisual da FLN, vai a Praga estudar na prestigiosa escola de cinema FAMU e em seguida vai viver para Nova Iorque, juntamente com a esposa, funcionária da ONU.

Dos conhecimentos adquiridos sobre o poder da imagem fará um meio de luta, com a realização de filmes como "Nós existimos", sobre o povo palestiniano, "ilha de medo, ilha de esperança" em 1976 sobre Timor-Leste depois da invasão indonésia, ou ainda "A maré sobe" sobre a luta contra o Apartheid na África do Sul no final dos anos 70, além de artigos e numerosas fotografias.

"Entre 1962 e 1965, Boubaker estava numa entidade do Estado Argelino da época em que era responsável da imagem. Foi por este intermédio que travou conhecimento com todos os chefes dos movimentos de libertação que estavam baseados em Argel, a SWAPO, o ANC ou ainda o PAIGC. Continuar na luta depois da sua partida da Argélia em 1967 foi algo quase natural. Soube bem mais tarde o que tinha andado a fazer durante os anos de luta, porque ele já não estava connosco, ele tinha partido para os Estados Unidos, não regressou à Argélia durante alguns anos e depois, foi aí que ele começou a falar, mas -muito pouco- do que tinha feito nesses países. Eu tirava fotografias, ele pegou na minha máquina fotográfica e disse ‘sabes, vou utilizá-la em Angola’. Isto para mim, era algo muito vago, eu era muito novo naquela época. Foi bem mais tarde que eu soube tudo o que Boubaker fez, e sobretudo nestes 15 últimos anos. Fui à procura dos seus arquivos fotográficos, fílmicos, artigos que tinha escrito para um grande número de jornais de África subsariana, suecos… nos Estados unidos, ele escreveu em várias revistas.Portanto, soube bem mais tarde o que tinha feito", recorda ainda o irmão mais novo do fotógrafo e cineasta.

Ao longo das suas incursões entre diversos movimentos de libertação, Adjali Boubaker vai travar conhecimento com os independentistas da Guiné-Bissau, Moçambique, ou ainda Angola. Mães com bebés, mulheres cultivando a terra ou preparando a comida, crianças sorridentes no meio da floresta, homens limpando as armas, são -por exemplo- algumas das imagens que restam dos meses passados entre 1970 e 71 no mato em Angola junto dos combatentes do MPLA. Desta experiência ele faz também um diário intitulado "Vai dizer a Neto, vai dizer-lhes", publicado em 2009, dois anos depois da sua morte. Foi sobre a sua passagem por Angola que a universitária e activista Luísa Semedo escreveu um capítulo do livro "Boubaker Adjali, l'Africain".

"Eu penso que ele ficou sensibilizado por saber que na Argélia as coisas estavam a avançar, mas que noutros países, nomeadamente os países que foram colonizados por Portugal, saber que tinha 'irmãos' que ainda estavam na luta e ele sabia como fazer. Ele sabia que podia ser útil e foi o que ele fez. Lançou-se completamente até sacrificar um pouco mesmo da sua saúde para estar ao lado dos seus 'irmãos' universais. Para ele é uma luta internacional e não uma luta nacional", refere a universitária ao aludir à génese do envolvimento de Boubaker Adjali nas lutas de libertação de outros povos.

Sobre a sua estadia na floresta com os combatentes do MPLA, durante a guerra contra o colonizador português em 1970, Luísa Semedo contra que "ele esteve alguns meses. Por isso é que ele teve o nome de 'kapiaça' que quer dizer 'andorinha', que é a tal figura que vai e que vem. Ele não esteve sempre num tempo contínuo, mas foi tempo suficiente para conseguir fazer a transmissão daquilo que realmente se estava a passar em Angola, quer seja do lado angolano, quer seja da parte portuguesa. Ele denunciou, por exemplo, a utilização de Napalm e de outros métodos que, se não fosse esse tipo de testemunho, a comunidade internacional não poderia saber".

A estudiosa que baseou o seu trabalho em arquivos, testemunhos e o próprio livro escrito pelo fotógrafo, refere que durante os meses passados em Angola, ele viveu da mesma forma que as populações locais. "Há fases em que ele tem medo pela vida, obviamente, tal como os outros, ele tem fome. No fim da sua aventura, ele tinha 42 quilos. Foi muito traumático mesmo do ponto de vista físico por tudo aquilo que ele passou. Só que ele pôde sair enquanto muitas pessoas ficaram e morreram. Ele estava sempre com a população e a viver exactamente da mesma forma. Foi mesmo uma reportagem imersiva que ele fez."

A convivência e adaptação nem sempre foram fáceis, refere Luísa Semedo. "Sentimos que ele tem dúvidas mesmo em relação a como ele é recebido porque ele não é recebido de maneira completamente pacífica. Há algumas pessoas que sabem exactamente qual é o seu papel e a sua importância, mas outros que vêm com desconfiança. Não sabem exactamente o que ele está fazer, pode ser eventualmente um traidor. Por vezes, ele tem alguma dificuldade em adaptar-se à cultura local. Há anedotas muito engraçadas em que ele não quer comer uma coisa porque ele não gosta muito e as outras pessoas olham para ele do estilo 'é muito fino para ti'. Ele acaba por comer. Por vezes, ele está um pouco à parte e sente-se estrangeiro", recorda a investigadora que ao evocar o olhar lançado por Boubaker sobre a situação dos países onde esteve, já muito depois das suas respectivas independências, dá conta de alguma decepção.

"Ele fala de uma certa desilusão em relação aos líderes que anteriormente foram revolucionários e que prometeram a independência e uma verdadeira libertação dos povos. Não é só o facto de serem independentes do país colonizador, é também depois como é a vida das pessoas, o acesso à educação, o acesso à saúde, o acesso à cultura, temas muito importantes por exemplo para Amílcar Cabral. Boubaker era também muito sensível a isso e tem uma posição bastante crítica em relação a líderes que acabaram por não cumprir as promessas", conclui a estudiosa sobre a figura de Boubaker Adjali, um militante discreto que fez história atrás da câmara.

Mais sobre Boubaker Adjali:

Nos tempos de estudante em Praga: https://www.youtube.com/watch?v=BQe6hTKX35o

O conteúdo do livro: https://www.youtube.com/watch?v=3oEZj8N14LE

 

 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Ver os demais episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.