Acesso ao principal conteúdo
Convidado

Portugueses já não pedem casa, pedem uma "casinha" para morar

Publicado a:

O aumento do preço das rendas disparou em Portugal nos últimos anos, com Lisboa a ser a cidade mais cara da Europa para alugar casa tendo em conta a média dos salários em Portugal. Jovens, famílias e idosos estão a sofrer as consequências de uma bolha imobiliária que pode rebentar a qualquer momento.

As dificuldades da habitação em Portugal têm levado muitos portugueses a saírem de cidades como Lisboa e Porto devido aos elevados aumentos das rendas.
As dificuldades da habitação em Portugal têm levado muitos portugueses a saírem de cidades como Lisboa e Porto devido aos elevados aumentos das rendas. AP - Armando Franca
Publicidade

Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida.

Em Janeiro de 2023, Diogo Faro, humorista português abordou num vídeo nas redes sociais o aumento das rendas em Portugal. O vídeo foi visto por mais de 500 mil pessoas e levou Diogo Faro a tornar-se um dos rostos mais visíveis do combate à escalada imobiliária em Portugal, levando-o mesmo a criar o movimento “Casa é um direito”, que em conjunto com outras associações de inquilinos já levou à rua milhares de pessoas nas principais cidades lusas. Em entrevista à RFI, Diogo Faro descreveu o panorama actual para quem se quer instalar em Lisboa.

"Actualmente é impossível encontrar um quarto em Lisboa por menos de 400 € ou 500 €. Um quarto de uma casa, um quarto. Atualmente é impossível encontrar um T0 a menos de 900 €. E não é no centro de Lisboa, é nos arredores de Lisboa. Portanto, gente que quer constituir família, casais novos conseguem arranjar uma casinha, mas depois contam os trocos e não conseguem. Se calhar o sonho é ter filhos e não conseguem. Portanto, isto está a afectar as pessoas de uma maneira muito brutal. Por isso é que as manifestações, já fizemos três manifestações, estão sempre cheias de gente", disse Diogo Faro.

Uma “casinha” é também o desejo de Ana Beatriz Basílio.  Esta jovem activista originária de Estremoz, assume que tem um salário acima da média para a sua idade, mas mesmo assim debate-se para encontrar uma casa em Lisboa.

"Tenho um problema muito grave que é o problema da habitação, ou seja, ainda por cima estando em Lisboa, quero uma casinha para mim. Já nem peço uma casa, quero uma casinha, chega-me uns 20 metros quadrados, for preciso. Tenho que gastar mais de metade do meu salário e começo a pensar se calhar não é bem isso que eu quero fazer. Enquanto que se comparar com a Alemanha ou com a Holanda, se calhar gastava 20% do meu salário apenas e tinha uma casa com muito melhores condições. Actualmente a habitação em Portugal, em Lisboa e nos grandes centros urbanos não é qualitativa", descreveu a jovem.

Números actualizados, mostram que no final de 2023, o valor médio dos imóveis para arrendar em Portugal registou um aumento na renda média de 41%, estando 350 euros mais caro, quando comparado com 2022, fixando-se agora em 1.200€. Em Lisboa, o preço médio de um T1, ou seja, uma casa com um quarto é de 2.500 euros, tendo-se tornado a cidade mais cara da Europa, especialmente tendo em conta o salário mínimo em Portugal que se situa nos 740 euros. Também no Porto, as rendas dispararam, como relata Mafalda Fernandes.

"No Porto, as casas actualmente estão a valores exorbitantes. A maior parte dos jovens não vê outra hipótese a não ser das duas uma ou ficar em casa dos pais até conseguir acumular algum dinheiro para que depois possa então dar entrada numa casa, por exemplo. Ou então dividir quarto ou dividir casa com com outras pessoas, de maneira a conseguirem em conjunto dar este valor da casa", indicou.

Mas em Portugal existe uma bolha imobiliária? A economista Alexandra Ferreira-Lopes, professora Associada no ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa, afirma que sim.

"Para já a construção não tem vindo a acompanhar a procura. Adicionalmente, até há pouco tempo as taxas de juro estavam tão baixas que mesmo pessoas com rendimentos relativamente baixos e com poucas garantias de poderem pagar algum tipo de empréstimo tinham acesso ao crédito. Adicionalmente, as políticas dos Vistos Gold também aumentaram a procura por bens imobiliários em Portugal. Se não tivesse havido uma subida das taxas de juro, essa bolha provavelmente até já poderia ter rebentado por causa do facto de que a oferta de construção não tem vindo a acompanhar a procura. Com a subida das taxas de juro, o mercado acalmou um bocadinho", descreveu.

O fim dos Vistos Gold foi anunciado em Fevereiro de 2023 pelo então primeiro-ministro, António Costa, após vários países europeus terem terminado este regime devido ao conflito na Ucrânia, já que muitos oligarcas e próximos de Putin, tinham nacionalidade de diversos países da União Europeia devido a grandes investimentos. Em Portugal, os vistos gold que pediam em troca de um livre trânsito no espaço Schengen investimentos de milhares de euros, terão rendido no total mais de sete mil milhões de euros, com cerca de 90% desse capital a ser aplicado em imobiliário.

Esta pressão no mercado imobiliário, associado ao aumento de custo de vida devido a fenómenos como a covid ou os diferentes conflitos mundiais, fizeram com que os portugueses, mesmo trabalhando, tenham dificuldade a ter acesso à habitação como descreveu Pedro Neto, director-executivo da Amnistia Internacional.

"Há muitas famílias que estão a contar tostões, por assim dizer. Gente que trabalha a tempo inteiro e é isso que é mais dramático. Vivermos numa sociedade onde há  famílias onde os adultos trabalham todos a tempo inteiro e mesmo assim não têm o suficiente para sobreviver. E é isto que nos deve fazer pensar a todos", reflectiu.

A habitação tornou-se um problema diametral à sociedade portuguesa, com o Governo e os partidos a terem dificuldades a encontrar respostas para esta crise que a Amnistia Internacional já qualificou como violação dos direitos humanos.

"Até agora, a resposta política não tem tido a diversidade que a diversidade de causas que criam o problema o exigiriam. E é, portanto, também nisto que achamos que está a demorar a resolução deste problema. E depois também há um contexto internacional com muitas causas e fenómenos a contribuir para ele. Que tem feito com que os números cresçam. As famílias em habitação indigna, em condições de habitação insuficientes de 2017/2018 para 2023 aumentaram na ordem de muito mais do que 100%. Ou seja, o problema cresceu muito nestes anos, o que também não ajudou a que se resolvesse o problema da habitação em Portugal", declarou Pedro Neto.

Assim, os jovens portugueses esperam agora que sejam tomadas medidas que visem mais habitação, como pede Rui Oliveira, presidente do Conselho Nacional da Juventude português.

"O aumento do parque habitacional público é uma coisa que o CNJ tem defendido muito. A questão do maior acesso à compra da primeira casa. E aqui temos visdo os partidos a dar várias respostas, desde questões de bancos terem crédito 100%, garantias por parte do Estado, diminuição daquilo que são os impostos. Tudo isso são questões que nós achamos interessantes na medida em que os jovens têm mais acesso àquilo que é a compra de uma primeira habitação. A outra parte tem a ver com aquilo que são respostas no momento. Nós achamos que o Porta 65 [programa de apoio ao arrendamento jovem] deve cobrir toda a gente que neste momento se candidata a ele e que seja elegível. E a última tem a ver com a questão do arrendamento acessível, que deve ser reforçado por via dos municípios e que os municípios têm esse papel no âmbito global", defendeu Rui Oliveira.

Só em 2023 o preço dos quartos para os estudantes universitários subiu 10% segundo o Observatório do Alojamento Estudantil. Alice Pão Alvo, com 19 anos e a frequentar o segundo ano do curso de Direito em Lisboa, diz que esta se tornou uma das maiores preocupações dos universitários e das famílias portuguesas.

"A partir do momento que nós decidimos que não queremos abdicar daquilo que queremos, ou seja, estudar, chegamos a cidades como Porto e Lisboa e é nos pedido um valor que pouco fica atrás de um salário mínimo nacional pelo aluguer mensal de um quarto. Não acho que seja normal e acho que é bastante insustentável que se exija das famílias e dos jovens, portanto, um esforço financeiro tão grande, pura e simplesmente por quererem continuar a estudar, sendo que vivemos num mundo em que cada vez mais se vai valorizando a frequência no ensino superior. Portanto, sinto que estamos um bocado a condenar os nossos jovens e a castigá-los quase por quererem estudar", disse a estudante.

Lisboa e Porto perderam já mais de 76 mil habitantes nos últimos anos, especialmente nos bairros tradicionais onde o alojamento local está a ganhar terreno face ao antigo convívio entre vizinhos. Neste caso, os idosos, especialmente os que vivem nos centros das grandes cidades, estão a ser também muito afectados, com relatos de episódios de pressão imobiliária que têm como objectivo retirá-los das suas casas. Diogo Faro revela algumas destas práticas.

"Nos bairros como Alfama e Mouraria tem havido o chamado bullying imobiliário, em que as pessoas mais velhas têm sofrido grandes pressões. Às vezes roubam as pensões e as reformas das caixas de correio tiram os corrimãos para as pessoas se sentirem mais isoladas, ameaçam ou simulam assaltos, etc. As pessoas sentem-dr inseguras. Isso tem acontecido para depois as suas casas sejam transformadas em em alojamento local, tal como, por exemplo, na freguesia de Santa Maria Maior, no centro histórico de Lisboa, onde há mais alojamento local do que casas habitadas", contou Diogo Faro.

Com mais ou menos medidas à esquerda ou à direita, Portugal, como pequena economia no seio da União Europeia terá dificuldade em mudar esta tendência global de encarecimento das casas, especialmente nas grandes metrópoles, como explicou a economista Alexandra Ferreira-Lopes.

"Portugal é uma pequena economia aberta, extraordinariamente dependente do exterior, o que significa que tudo o que é choque externo nos afecta e muito. Nós dependemos de bens intermédios. Nós dependemos muitas vezes de financiamento dos nossos bancos para financiar as empresas e as famílias. É muito complicado políticas macroeconómicas como a monetária ou a orçamental terem um impacto muito significativo neste tipo de economia. E ainda por cima, nós estamos dentro da zona euro. A política monetária não é nossa. Qualquer política económica que um Governo possa fazer numa pequena economia aberta e estas políticas demoram muito tempo a fazer efeito", afirmou economista.

Mesmo assim, os lisboetas gostavam de ver algumas medidas imediatas de alívio.

"Vários países já têm controlo de rendas. Para mim é uma coisa que não faz sentido nenhum e estar completamente só à mercê da lei do mercado livre, onde se pode praticar preços completamente surreais, em que se vão empurrando as pessoas que trabalham e sempre viveram em Lisboa para fora, ou os imigrantes que não são ricos, que querem trabalhar e querem viver cá. Mas isto serve apenas para o pessoal que vem com ordenados de três, quatro, cinco ou dez mil euros como americanos, franceses, alemães e conseguem pagar 3.000 € por um T0 na baixa. E é completamente surreal que não haja tectos nas rendas", concluiu Diogo Faro.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Ver os demais episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.