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Aumento exponencial de são-tomenses a viajar para Portugal

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O aumento exponencial do número de são-tomenses a deixar o arquipélago rumo a Portugal gera preocupação e foi já alvo de um relatório preliminar do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em Setembro do ano passado.Em causa o impacto da entrada em vigor, em Novembro de 2022, do acordo para a mobilidade no seio da CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

São Tomé e Príncipe assume a presidência da CPLP: Acordo de mobilidade é um dos maiores avanços da comunidade lusófona.
São Tomé e Príncipe assume a presidência da CPLP: Acordo de mobilidade é um dos maiores avanços da comunidade lusófona. LUSA - ESTELA SILVA
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A questão das migrações rumo a Portugal acabou por chegar ao debate europeu. A Comissão Europeia abriu um procedimento de infracção contra Lisboa, por considerar que este visto de trabalho e residência da CPLP, Comunidade dos países de língua portuguesa, em vigor desde Março de 2023, vai contra o modelo do Espaço Schengen.

Portugal até ao momento não terá respondido ao pedido de explicações da Comissão sendo que entre Março e Outubro de 2023 mais de 150 000 cidadãos da comunidade lusófona teriam beneficiado deste dispositivo.

Neste momento Portugal aguarda por eleições legislativas antecipadas, com o parlamento dissolvido e apenas um governo de gestão.

Luca Monge Roffarello, conselheiro económico sénior do PNUD [Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento] para São Tomé e Príncipe, explica que o número de vistos atribuídos por Portugal a são-tomenses aumentou, desde logo, em cerca de 70 a 80% em relação ao número de vistos emitidos até então.

Nós decidimos rapidamente fazer uma primeira avaliação, uma avaliação rápida para ter, pelo menos, o conhecimento do que é que estava a passar.

A informação que nós temos até ao final de Novembro de 2023, com os dados que nos foram dados para as autoridades portugueses, estamos a falar de 17.000 vistos que foram emitidos, um aumento de cerca de 70 a 80% de vistos emitidos em relação a 2022.

A nossa estimativa é que até ao final do ano [passado] esse número possa ter atingido as 19.000 pessoas, o que é muito tendo em conta a população do país (220 000 pessoas), ou seja 8% da população.

Isso significa que o fluxo de pessoas que estão a deixar São Tomé e Príncipe rumo a Portugal está a crescer mais do que a própria população do arquipélago.

Também sobre isso não temos todos os elementos para chegar a um resultado certo. Porque em relação aos vistos que são emitidos talvez nem toda a gente viaje. Uma parte importante dos vistos, tipo 8 000 / 9 000 vistos são vistos de curta duração. Mas nós não sabemos se esta gente fica na sua totalidade, ou regressa para o país. Com um "influxo" de migração em direcção a São Tomé. Esse é tipo de análise que nós queremos fazer com o [ex serviço português de] Migração e fronteiras para ter uma ideia mais clara. 

Com os dados que nós temos, na base da emissão de vistos, e se assumismos que a maior parte das pessoas viaja... sim estamos a ter um fenómeno demográfico importante para o país, muito importante. 

A priori estes vistos CPLP não permitem a estas pessoas que chegam a Portugal instalar-se noutras áreas da Europa, no âmbito do Espaço Schengen. São vistos exclusivamente para Portugal, é assim ?

Sim, isto é uma coisa dentro do espaço da CPLP. Isto foi um Acordo que foi assinado em 2021 em Angola, ratificado pelos países em 2022. Portugal foi dos primeiros países que ratificou com várias leis e regulamentos que no curso de 2022 e 2023, e se aplica exclusivamente entre Portugal e os países da CPLP. Claramente especifica que não é um acesso ao Espaço Schengen. É claro que, uma vez que Portugal está no espaço de livre comércio dentro da Europa. Então a expectativa é que a gente [as pessoas] vá para Portugal, e que, depois, não possa deslocar-se para outros países da Europa. Mas nós não temos esta informação.

É um aspecto importante que, recentemente, a Europa abriu um processo de infração contra Portugal. Mas relativamente, somente a uma das componentes deste Acordo de mobilidade: que é a a Autorização de residência. Então não há esta infração para outro aspecto da lei.

Por enquanto não está a produzir efeitos porque Portugal tem até dois meses para reagir. Eventualmente o caso pode chegar ao Tribunal de justiça. Mas não sabemos quando isto virá a acontecer e não sabemos qual é o impacto que poderia ter. Porque, por enquanto, é apenas relativo à Autorização de residência de um ano para os nacionais da CPLP, que é uma componente específica do pacote geral. 

Pode o arquipélago de São Tomé e Príncipe ficar com um défice de jovens qualificados devido ao aumento de pessoas a sairem com vistos CPLP ? Porque a grande maioria das pessoas que está a sair são jovens, que tentam fugir do desemprego e da falta de perspectivas profissionais. 

É importante também perceber um pouco o contexto de São Tomé e Príncipe que é parecido a vários outros pequenos Estados insulares em desenvolvimento.

Por um lado o país avançou muito do ponto de vista social, com progressos importantes no domínio da educação, da saúde. Para uma economia tão pequena, isolada, com grandes desafios por causa do seu tamanho e insularidade... o país até hoje não oferece grandes oportunidades de rendimento e de emprego. Não há uma transformação económica, então a maior parte da gente qualificada, a maior parte da gente do mercado formal do trabalho fica no sector público. 

Então, entre outras coisas, é um país extremamente jovem. A idade média do país é de pouco mais de 18 anos. Nós temos 61% da população com menos de 25 anos. Mas, de facto, mais de 90% dos jovens indicam a falta de emprego, a falta de oportunidade de crescimento económico como o problema principal. Então não é uma surpresa que a maior parte dos jovens afirme querer melhorar a sua situação. Nós temos um inquérito que foi feito pelo INE [Instituto nacional de estatística] e o Conselho Nacional da Juventude que mostra que quase 68% dos jovens gostaria de sair do país para buscar oportunidades.

São duas razões: a primeira razão é a oportunidade de melhorar a perspectiva económica. E a segunda é também um melhor acesso a cuidados de saúde. Mas também é importante sublinhar que 70% das pessoas que querem sair gostariam de sair de maneira transitória. 

Agora, voltando à sua questão... não temos dados ainda, temos apenas o número de vistos. Temos, mais ou menos, a idade das pessoas, mais ou meno sabemos que são cerca de 50% de mulheres e 50% de homens. Mas, e este será o enfoque da nossa próxima pesquisa nos próximos meses, nós não temos o perfil demográfico e, sobretudo, o perfil educativo e profissional das pessoas que estão a sair.

Porque isto pode ter uma implicação muito forte para o país. Imaginando que saem muitos enfermeiros ou médicos, ou se há muitos professores que estão a sair. Isto poderá ter um impacto forte no sistema de saúde e de educação.

Mas também há aspectos positivos que são realçados no vosso relatório: Isto implica, nomeadamente, um aumento das remessas e poderá implicar também investimentos da diáspora no seu país natal; Porque, como o senhor acaba de dizer, muitas das pessoas que saem têm vontade de voltar, não é ?

Mesmo dentro da diáspora, que gostaríamos de conhecer melhor, 40% das pessoas na diáspora gostariam um dia de voltar para o país. Então existe este potencial. A migração é um fenómeno geral. Tem aspectos desafiantes, como mencionado, mas tem também aspectos de oportunidade.

Por exemplo esta mobilidade que existe entre os países da CPLP e Portugal pode ser uma grande oportunidade para melhorar o comércio entre os dois países. Uma diáspora grande de São Tomé em Portugal pode criar oportunidade para o mercado, para e exportação de produtos agrícolas e outros de São Tomé na direcção de Portugal. Com condições e meios económicos bons pode enviar mais remessas para a sua família aqui. Então como é que nós podemos canalizar estas remessas, por exemplo para alguns projectos de desenvolvimento ? Ou a gente que consegue adquirir competências únicas importantes fora, em Portugal, e, se regressa para o país, pode ser os empreendedores futuros, criar oportunidades.

Então, como Nações Unidas, e, como PNUD, nós queremos ver, justamente, estes dois aspectos: como permitir uma resposta aos desafios que este fenómeno está a levar no país ? Mas também como aproveitar esta oportunidade para beneficiar o país ? Porque há várias oportunidades ! Agora transformar em políticas, em programas para materializar isto. E a primeira coisa que pretendemos fazer é ter o conhecimento do que é que está a acontecer ! Porque ainda nos falta muita informação !

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