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COP 28: Brasil quer replicar modelo de produção de etanol em África

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O Brasil quer fomentar a promoção do etanol no mercado internacional, que acredita ser o mais viável para promover a transição energética na indústria do transporte. Evandro Gussi, presidente da UNICA, defende que o modelo brasileiro de produção de bioenergia pode ser aplicado no continente africano.

Evandro Gussi, presidente da União brasileira da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia.
Evandro Gussi, presidente da União brasileira da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia. © DR
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A União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA) e a Agência Brasileira de Promoção das Exportações (ApexBrasil) assinaram durante a COP 28, que decorre no Dubai, Emirados Árabes Unidos, um acordo para promover o etanol no mercado internacional.

Brasília quer liderar o processo que acredita ser o mais viável para promover a transição energética na indústria do transporte.

Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia, defende que o modelo brasileiro de produção de bioenergia permite produzir biocombustível de forma sustentável, sem desflorestação nem em detrimento da produção de alimentos. Gussi acrescenta, ainda, que este modelo pode ser aplicado no continente africano.

De que forma pode o Brasil contribuir para o desenvolvimento da produção de biocombustíveis noutros países?

O Brasil desenvolveu uma capacidade, uma história - que poderia dizer que tem algum sucesso - no sentido de produção de biocombustíveis, etanol, com sustentabilidade. Isso significa: sem desmatamento e sem competição com os alimentos.

O que notamos é que a replicabilidade desse modelo é possível, sobretudo nos países, que eu chamaria intertropicais, no sul global, sobretudo entre os trópicos e no continente africano, que por exemplo é a grande oportunidade. Sobretudo em terras já ‘antropizadas’ em pastagens degradadas.

Essa foi a grande experiência do Brasil e os nossos mapeamentos mostram que há uma série de áreas relevantes em países, sobretudo africanos, onde esse tipo de experiência da produção de biocombustíveis de etanol, com alto nível de sustentabilidade, poderia ser reproduzido.

Um dos principais riscos que se associa à bioenergia tem a ver com a concorrência entre a energia e a alimentação. Como é que se supera esta questão?

O problema africano não seria da competição entre alimento e energia, mas a ausência de produção alimentar de uma maneira eficiente.

O que percebemos e descobrimos no Brasil é que a produção de etanol, feita com sustentabilidade, é um indutor da produção alimentar. 

No caso da cana-de-açúcar, plantada sobre áreas degradadas, convertendo uma área de uma pastagem degradada em uma área agricultável, tem uma oportunidade de rotação de cultura muito interessante. Quando é preciso fazer o rodízio dessa cana, replantar essa cana, é muito conveniente que tenha uma oleaginosa, como soja, milho ou amendoim. 

O que verificamos é que depois da introdução da cana-de-açúcar, 17% da área vai sendo disponibilizada, anualmente, para outras culturas de carácter alimentar. Então, a nossa experiência mostrou que temos hoje, depois da produção de etanol, além da produção do açúcar em si, que já é um alimento, tem um incremento, um aumento da produção de alimento na mesma área.

No caso do etanol de milho acontece a mesma coisa, uma vez que do milho você só usa para fazer etanol, o amido e o milho tem outros três elementos que são a proteína, a fibra e o óleo. Essa fibra, óleo e proteína vão ser convertidos em ração animal, ração animal, que ao final do dia vai se transformar em proteína de origem animal e, portanto, disponível para alimentação humana. 

A produção de etanol, a produção de energia induz um incremento da produção alimentar. Então o que a gente vê, ao invés de ‘food versus fuel’, o que a gente tem é ‘fuel plus food’. Quanto mais combustível, quanto mais etanol a gente produz, mais oferta alimentar a gente tem. Isso é o que a FAO, agência da ONU para Agricultura e Alimentação chama de sistemas integrados de energia alimentar, que justamente geram essa sinergia entre combustíveis e alimentação.

O etanol é um caminho viável para a descarbonização? Qual é a agenda para esse caminho?

O etanol feito com sustentabilidade, como fazemos no Brasil, reduz até 90% das emissões em comparação com a gasolina e chegará a ser neutro, ou seja, zero emissão. Há estudos sérios que mostram que ele vai ser inclusive negativo. Ou seja, você vai estar dirigindo um carro movido a etanol e isso vai estar gerando captura líquida de carbono. 

Então, sim, é um elemento de descarbonização importante, até porque além de ser eficiente na descarbonização, é fácil de ser implantado porque toda a distribuição já está pronta. 

A distribuição que você usa para gasolina, pode usar para etanol. Ele é barato, ou seja, não demanda altos custos de infra-estrutura, é rápido de ser implantado, além da sua replicabilidade em uma parte relevante do mundo.

Mas não há necessidade da indústria do transporte se adaptar ao biocombustível?

Você precisa ter a indústria para produzir o biocombustível, mas depois todo o processo logístico já desenhado para combustíveis líquidos - gasolina, diesel - é facilmente aproveitado para dispensação para a oferta de etanol. É o que a gente vê no Brasil. 

É diferente da necessidade de construção de uma rede caríssima de infra-estrutura, no caso da electrificação, que tem o seu papel e a sua importância no processo de carbonização, mas tem o desafio da construção da infra-estrutura. Isso já é um desafio para os países ricos, porque para os países do sul global, mais vulneráveis, sob o ponto de vista social e económico, é um desafio ainda maior. O etanol não precisa disso, ou seja, toda a rede de distribuição de combustível líquido serve como suporte ao etanol.

Aqui na COP 28, foi assinado um acordo entre a ÚNICA e a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção das Exportações. Que acordo é esse?

O convénio entre a UNICA e a ApexBrasil tem como um dos objectivos compartilhar com outros países a experiência brasileira de produção de etanol.

O nosso grande objectivo é construção de um cinturão global de bioenergia, de biocombustíveis, porque a Agência Internacional de Energia mostra que vamos ter que ter três vezes mais quantidade de bioenergia do que a gente tem hoje - o etanol é um dos exemplos de bioenergia - até 2030. Ou seja, o que a gente vai precisar é de bioenergia, de biocombustíveis e no caso de etanol, produzido com sustentabilidade.

Nós entendemos que há países muito relevantes, dentro do sul global, especialmente em África. O continente africano pode e deve se transformar num grande provedor de biocombustíveis para substituir os combustíveis fósseis de uma maneira barata, rápida e eficaz.

Como é que num país berço do petróleo, o biocombustível está a ser aceite?

Está sendo aceite porque justamente o país é berço do petróleo, mas que tem consciência de que a descarbonização é necessária para garantia das futuras gerações, para garantir a vida do planeta como nós a conhecemos. Percebe que o etanol é um parceiro no processo de descarbonização. É um parceiro no processo da transição energética, prova disso são os investimentos de países como os Emirados Árabes Unidos, na indústria de etanol no Brasil, vendo ali, sim, a plataforma global de biocombustíveis e de bioenergia para o mundo.

Tenho uma esperança muito grande que algo semelhante possa ser reproduzido nos países africanos, que esses países que não vão conseguir fazer a descarbonização dentro de casa, possam usar os nossos activos agro-energéticos com sustentabilidade, de modo a que a gente possa contribuir para resolver esse problema, que é um problema que não tem fronteiras e que é um problema que é urgente.

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