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"Aceitar o decreto presidencial é aceitar a subversão da ordem constitucional"

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"O que culminou na dissolução da Assembleia Nacional Popular foi uma tentativa, prevista pelo Presidente da República da Guiné-Bissau, de reconduzir o país para uma situação de instabilidade e de crise política. Tudo começou a ser desenhado desde que a sua família política [Madem G-15] foi derrotada nas últimas eleições legislativas", descreve o activista guineense e investigador do Centro de Estudos Sociais na Universidade de Coimbra, Sumaila Jaló.

Crise institucional na Guiné-Bissau agrava-se após dissolução do Parlamento.
Crise institucional na Guiné-Bissau agrava-se após dissolução do Parlamento. AP - Rebecca Blackwell
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O Presidente guineense anunciou a dissolução do Parlamente e a convocação de eleições legislativas antecipadas, alegou uma tentativa de "golpe de Estado".

O investigador do Centro de Estudos Sociais na Universidade de Coimbra, Sumaila Jaló, lembra que "Umaro Sissoco Embaló precisou de um mês para dar posse ao novo governo e precisou de várias semanas para dar posse aos deputados eleitos pelo povo". Um cenário descrito pelo investigador com vista a "adiar e desenhar possibilidades para inviabilizar o processo de governação".

Recentemente, surgiu o caso do pagamento de dívidas "a um grupo de empresários ligados ao PAIGC, calculado em cerca de 6 bilhões de Francos CFA, cerca de 10 milhões de dólares americanos. De um ponto de vista ético e de prioridades para o país, este pagamento é profundamente questionável. Não concordamos com essa possibilidade de pagamento, mas é preciso dizer que se trata de pagamentos com os quais todos os [últimos] ministros de Finanças se confrontaram", lembra o activista.

Sumaila Jaló mostra-se surpreendido pelo facto de o Ministério Público nunca ter conduzido investigações, situação "que leva a acreditar que o Ministério Público está a ser instrumentalizado".

Umaro Sissoco Embaló atribuiu as pastas da Economia e Finanças a Geraldo Martins, que se mantém primeiro-ministro até ao chefe de Estado encontrar outro líder para o governo guineense. O chefe de Estado assumiu as pastas do Interior e da Defesa. "Constitucionalmente, o Presidente da República nem pode liderar um executivo. O sistema democrático da Guiné-Bissau é semi-presidencialista; há separação de poderes e essa separação existe entre o executivo e a Presidência da República. Quando [o Presidente] assume para si os cargos de ministro do Interior e da Defesa, isto consubstancia-se na total ilegalidade e na subversão gritante da ordem constitucional", alerta o investigador.

Para Sumaila Jaló existe uma explicação a esta "subversão constitucional", o facto de "Umaro Sissoco Embaló sempre ter  trabalhado na militarização do poder na Guiné-Bissau. É por isso que ele altera a data da celebração dos 50 anos da independência da Guiné-Bissau de 24 de Setembro para 16 Novembro, o dia da criação das Forças Armadas. Esta é a uma forma de contornar a verdade histórica e apresentar as forças militares como verdadeiras detentoras do país".

"Quando a Assembleia Nacional Popular é dissolvida em circunstâncias legais, o que não é o caso aqui, cabe ao governo continuar em gestão, sem ser preciso reconduções do primeiro-ministro. Trata-se de uma tentativa de confundir a opinião pública quanto aos dispositivos legais e constitucionais, mas também de tentar semear discordância no interior do PAIGC, o partido mais forte na coligação PAI - Terra Ranka", acrescenta.

O primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Geraldo Martins, esclareceu que não foi reconduzido no cargo pelo chefe de Estado, mas viu renovada a confiança política para gerir os assuntos correntes até formação de um novo executivo. Geraldo Martins garantiu alinhar-se com a decisão do PAIGC. O investigador não acredita que o PAIGC, no poder, "faça muita coisa, sobretudo porque sempre se demonstraram inoperantes face aos desmandos de Umaro Sissoco Embaló e quanto às violações gritantes da Constituição do país. Aceitar este decreto é aceitar a inconstitucionalidade, é aceitar a subversão da ordem constitucional".

A Comunidade Económica e de Desenvolvimento da África Ocidental (CEDAO) e as Nações Unidas condenaram os actos de violência na Guiné-Bissau envolvendo forças do exército e da Guarda Nacional na semana passada. Até esta terça-feira, a comunidade regional não reagiu aos últimos acontecimentos. "Muitos analistas consideram a CEDEAO uma espécie de sindicato dos chefes de Estado; o que impera na organização regional são as posições dos chefes de Estado, com interesses localizados no interior da organização. O Burkina Faso, o Níger ou o Mali viveram golpes de Estado porque os antecedentes de instabilidade e de instrumentalização das instituições para a opressão do povo foram ignorados por essa organização. A CEDEAO tem de abandonar este modo de agir e acompanhar os seus países no quadro de respeito e legalidade democrática", defendeu o activista guineense.

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