Acesso ao principal conteúdo
Convidado

Autárquicas "foram as piores eleições da História de Moçambique"- sociedade civil

Publicado a:

Em Moçambique, desde o anúncio ontem dos resultados definitivos das autárquicas do passado 11 de Outubro pela Comissão Nacional de Eleições, dando a vitória à Frelimo no poder em 64 das 65 autarquias do país, estão a ser vividos momentos tensos, com a oposição a refutar os resultados e cidadãos a saírem às ruas para protestar, tendo sido noticiados actos de violência.

Processo de anulação de boletins de voto depois de terminada a votação para as sextas eleições autárquicas, Maputo, Moçambique, 11 de outubro de 2023.
Processo de anulação de boletins de voto depois de terminada a votação para as sextas eleições autárquicas, Maputo, Moçambique, 11 de outubro de 2023. © LUSA - LUÍSA NHANTUMBO
Publicidade

Esta situação dá-se ao cabo de um processo que foi marcado por fortes suspeitas de fraudes em vários círculos eleitorais, inclusivamente com a anulação dos escrutínios em certas localidades, contestações formais dos partidos políticos junto das entidades eleitorais, e pareceres extremamente negativos emitidos por observadores independentes.

Para Lázaro Mabunda, coordenador dos observadores eleitorais do Centro de Integridade Pública de Moçambique, estas foram as piores eleições alguma vez realizadas no país.

"Estas eleições foram as piores da História de Moçambique, desde o recenseamento eleitoral que foi o pior porque nunca tínhamos visto um recenseamento eleitoral daquele nível. Nunca tínhamos também visto eleições em que o roubo é de forma descarada, em que os delegados de mesa de votos da oposição são tirados da contagem de votos pela polícia à força, só porque têm que ficar os delegados da Frelimo, os membros da Comissão Distrital de Eleições e da Comissão Nacional de Eleições em representação do partido Frelimo (...). Isso aconteceu ao nível dos órgãos de administração eleitoral, sobretudo no processo de apuramento intermédio de resultados, mas também ao nível das mesas da assembleia de voto em que grande parte dos membros da oposição foram impedidos de recolher editais", relata nomeadamente Lázaro Mabunda.

Questionado sobre os dados recolhidos pela sociedade civil sobre estas eleições, o activista cívico refere que "baseando-se na recolha dos editais que foram publicados, a sociedade civil fez o seu trabalho, fez a contagem paralela, e essa contagem paralela mostra que a oposição, a Renamo neste caso, ganhou a eleição na cidade de Maputo, na cidade da Matola, na cidade de Quelimane, ganhou eleições na cidade de Nampula e também ganhou eleições na cidade de Chiure, em Cabo Delgado".

Na óptica de Lázaro Mabunda, "estamos já perante um período de violência pós-eleitoral. A sociedade civil fez o trabalho que fez durante o período de campanhas eleitorais, aliás antes mesmo, durante o recenseamento eleitoral, monitorou o processo e foi acompanhando todas as fases, foi emitindo os alertas sobre o que poderia acontecer. Neste momento, acredito que não há muita coisa que a sociedade civil possa fazer para impedir o cenário que está a acontecer (...) já era um cenário que era previsível".

Neste contexto, o único recurso é o Conselho Constitucional, órgão judicial eleitoral máximo do país. A validação dos resultados eleitorais por esta entidade é que marca o fim definitivo de todo o processo. A activista social Quitéria Guirengane espera uma decisão independente por parte deste órgão."Nós esperamos que o Conselho Constitucional tenha uma maior responsabilidade neste processo para que o 'CC' que representa, não se transforme num 'CC' de 'Comité Central'. Como país, estamos no momento mais triste da nossa história, mas é exactamente nos momentos tristes em que as pessoas reavivam as suas lutas para lutarem em defesa do Estado de Direito", diz a activista para quem a validação dos resultados eleitorais pela CNE "foi um acto de muita irresponsabilidade mas acima de tudo de cidadãos completamente apátridas".

Lázaro Mabunda também está expectante quanto à decisão do Conselho Constitucional."O único recurso neste momento é o Conselho Constitucional. Está-se à espera que o Conselho Constitucional diga alguma coisa, porque os partidos políticos da oposição, pelo menos, nestas eleições mostraram-se muito melhor organizados no sentido de remeter recursos em grande parte dos municípios; Há municípios em que não conseguiram remeter os seus recursos ou remeteram os recursos já extemporâneos, fora do período estabelecido pela lei, mas isto também porque os presidentes das comissões distritais de eleições -que todos eles são pessoas provenientes do partido Frelimo- alguns logo no período de apuramento deixaram os gabinetes, desapareceram por dois ou três dias e quando voltaram para o escritório, o prazo de apresentação de recursos já tinha expirado", denuncia o activista cívico.

Desde esta quinta-feira, o país está a viver momentos de tensão. Têm estado a circular vídeos e informações dando conta de incidentes, agressões, actos de vandalismo e uma severa repressão policial. Para Quitéria Guirengane, não se trata apenas de partidos de oposição a contestar os resultados, mas sim de cidadãos que estão a expressar o seu repúdio pelos resultados divulgados ontem.

"Neste momento, não é uma questão da Renamo convocar manifestações ou de a oposição não concordar com os resultados. Neste ano é o cidadão moçambicano que não concorda com os resultados, é o moçambicano que se está a divorciar dos órgãos de gestão eleitoral porque completamente inconsequentes. Neste momento, é o cidadão moçambicano que se está a fazer às ruas. Neste momento, é o cidadão moçambicano que está a fazer um acto de desobediência civil. Neste momento, são membros da Frelimo que estão a fazer cartas, que estão a sair a público, a dizer que foi a acção mais vergonhosa registada. Neste momento, é todo o cidadão moçambicano de bem, a quem resta o mínimo de valor e princípio, que não está a sentir-se reflectido nesta forma de fazer política", considera a activista que denuncia a actuação da polícia neste âmbito.

"A lei e a Constituição dizem que toda a actuação da polícia deve ser estritamente proporcional. Não é Maputo, não é Nampula. Agora mesmo, estávamos a ver vídeos da polícia de forma muito voluntária a correr atrás de indivíduos para disparar mortalmente, para assassinar. Isto não é uma acção de um agente da polícia para depois se apurarem as responsabilidades; Esta é uma acção que é comandada por ordens superiores e já está mais do que na hora que 'as ordens superiores' tenham rosto e sejam devidamente responsabilizadas porque a História vai julgar estes crimes contra a Humanidade", indigna-se Quitéria Guirengane que diz não ter dúvidas de que a situação pode piorar. "A ideia é criar uma cultura de medo, forçar os resultados para que ninguém amanhã tenha a coragem de sai à rua e que, tal e qual como no tempo colonial em que as pessoas não podiam protestar em relação às decisões superiores, as pessoas também aceitem ser governadas por quem não elegeram", considera a militante.

Lázaro Mabunda também se mostra pouco optimista quanto às perspectivas que se apresentam em Moçambique. "Há todas as condições para que um cenário pior ocorra. Já hoje está-se a falar de algumas mortes e de feridos em Nampula, não se sabe o que vai acontecer (...). Percebe-se, sente-se e também nos discursos que são feitos, os jovens estão a apelar para o recurso à violência como forma de tirar o partido Frelimo do poder. O que quer dizer que há todas as condições para que possamos viver dias piores", conclui o coordenador dos observadores eleitorais do Centro de Integridade Pública de Moçambique.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Ver os demais episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.