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Moçambique: "Desde início da independência nunca houve paz positiva"

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As autoridades moçambicanas suspeitam que os grupos armados que atacam Cabo Delgado possam ser os mesmos autores do ataque de sexta-feira, numa aldeia a sul do rio Lúrio, na província de Nampula. O historiador moçambicano, Yussuf Adam, lembra que desde a independência de Moçambique, o país "nunca viveu uma paz positiva".

Historiador moçambicano Yussuf Adam.
Historiador moçambicano Yussuf Adam. © RFI/Lígia Anjos
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O comando província da polícia em Nampula confirmou o ataque terrorista de sexta-feira no distrito de Erati e assegurou ter tomado medidas para reforçar o efectivo militar na província de Nampula, palco de ataques terroristas, que têm levado as pessoas a fugir das suas casas.

"A guerra foi aparecendo pouco a pouco. Na zona de Mucojo foi aparecendo um conflito entre a população e o administrador. A população islâmica muani e o administrador maconde, que prendeu alguém, nalgum desacato. A autoridade local, a população e os chefes locais disseram: 'não, assuntos de muanis tratamos nós. Tu tratas da administração'", recorda o historiador.

Yussuf Adam conta-nos que há uns anos ouvi dizer que existiam extremistas islâmicos em Mocimboa da Praia, "ouvi dizer que havia umas pessoas que se reúnem por baixo de uma árvore, calçados e com facas e a descrição que me faziam deles era como se fossem os Lawrence da Arábia. Fui à procura deles, mas nunca os encontrei", descreve. "Os únicos tipos estranhos que estavam ali eram os tanzanianos, com 1 metro e 90 centímetros, que se dedicaram a esses negócios de transfronteira, creio que faziam tráfico de cigarros", prossegue o historiador.

Quando a guerra colonial terminou surgiu um novo regime e surgiram problemas que nunca são falados, nomeadamente, "os camponeses reagiram mal às aldeias comunais e às políticas de Estado. Todas as políticas de desenvolvimento, algumas delas muito boas e muito bonitas, poderiam ter sido bem implementadas, mas não deram resultados por falta de apoio das populações, mas por causa de guerras externas e processos de descolonização. Desde início da independência nunca houve paz  positiva", lembra Yussuf Adam.

O governo moçambicano "fez grandes investimentos na zona de Mueda por ter sido palco de guerra", lembra o historiador, acrescentando que "as estradas foram alcatroadas entre Pemba e Mueda, criaram-se sistemas de água, mas mesmo assim a população continuava triste. Durante a guerra tinham medicamentos, os filhos iam às escolas, mas depois da independência a saúde, educação caíram. Acabou-se com o socialismo e surgiu o capitalismo selvagem".

Yussuf Adam trabalhou em Cabo Delgado desde 1976 e recorda que factores que já existiam no norte do país, como a distribuição dos bens, se agravaram com a descoberta do petróleo e do gás. "Quando surge o petróleo e estes investimentos, a porca torce o rabo porque as pessoas têm de sair dos seus sítios. O governo liberalizou toda uma série de coisas, mas deixou a terra como sendo propriedade do Estado. Isso não é verdade porque a terra sempre teve dono. Com a chegada do gás e petróleo há toda uma mudança no mercado mundial e aqueles que perderam tudo começam a ver-se escorraçados. As pessoas começam a pensar que 'se a Frelimo fez a guerra contra os portugueses e ganhou, se no resto do mundo há guerrilhas, nós também podemos fazer", concluiu.

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