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Quénia: "É muito possível que Raila Odinga consiga vencer as presidenciais"

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No Quénia, mais de 22 milhões de eleitores são chamados às urnas, esta terça-feira, para escolher o próximo Presidente da República, deputados e eleitos locais. Na corrida à presidência, estão quatro candidatos, mas só dois estão melhor classificados para vencer este escrutínio, de acordo com as sondagens. O grande vencedor irá suceder a Uhuru Kenyatta no cargo.

Uma eleitora vota nas eleições gerais pela Comissão Eleitoral Independente e de Limites (IEBC) na escola primária Kibera em Nairobi, Quénia. 9 de Agosto de 2022.
Uma eleitora vota nas eleições gerais pela Comissão Eleitoral Independente e de Limites (IEBC) na escola primária Kibera em Nairobi, Quénia. 9 de Agosto de 2022. REUTERS - THOMAS MUKOYA
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Prevê-se que as eleições presidenciais deste ano sejam renhidas entre os dois principais candidatos. São eles William Ruto, de 55 anos, ex-ministro da agricultura e actual vice-Presidente e Raila Odinga, um ex-preso político, de 77 anos, veterano da oposição, que se candidata pela quinta vez ao posto e que, desta vez, conta com o apoio do Presidente cessante. Se nenhum candidato obtiver mais de 50% dos votos, o Quénia poderá vir a ter, pela primeira vez na história, uma segunda volta eleitoral.

Laura Vasconcelos, Presidente e Fundadora da Associação para a Defesa dos Direitos Humanos, uma ONG portuguesa instalada no Quénia, começou por dizer, em entrevista à RFI, que não tem conhecimento de incidentes nas primeiras horas de votação.

RFI: As urnas abriram há já algumas horas. Tem conhecimento de alguns incidentes no decorrer da votação?

Laura Vasconcelos: Eu estou aqui em Nairobi, na zona de Nairobi. Até agora, não soube de nenhum incidente especial que tenha acontecido, sinceramente. As coisas estão calmas.

RFI: Na corrida à presidência estão quatro candidatos, mas apenas dois, William Ruto e Raila Odinga, dois homens bastante conhecidos dos quenianos, estão melhor classificados para vencer este escrutínio, de acordo com as sondagens. Quem são estes dois candidatos?

Laura Vasconcelos: O Raila Odinga está a candidatar-se pela quinta vez. Ele nunca conseguiu ganhar. Desta vez, qual é a diferença? É que como o Uhuru Kenyatta já não pode ser novamente Presidente porque esgotou os anos de presidência, apoiou o Raila Odinga para estas eleições. Portanto, a meu ver, é muito possível que Raila Odinga, desta vez e, finalmente, consiga vencer estas eleições. Vamos ver.

RFI: E quanto a William Ruto? Também é um conhecido dos quenianos...

Laura Vasconcelos: Sim. William Ruto foi vice-presidente do Uhuru. Desta vez, eu penso que o Ruto terá os seus seguidores, mas não está tão forte como costuma estar. William Ruto, nas eleições de 2007, houve aquela violência pós-eleitoral quando saiu o Presidente Mwai Kibaki e houve as eleições. Ele não ganhou e dizem que foi o principal responsável para aquela violência eleitoral que, depois em 2008, deu azo a mais de 800 mortos e a uma série de vilas/pequenas aldeias pilhadas, mais para a zona de Kisumu e Kisii, não propriamente aqui na zona de Nairobi.

Ruto é um homem que tem sempre lutado, que foi vice-presidente do Uhuru, mas, pelo que tenho falado com os quenianos, a confiança que o povo tem nele não é a melhor. Portanto, esperamos que Odinga possa, de facto, ganhar as eleições. Já estou no Quénia há 16 anos e penso que é talvez o melhor candidato, desta vez.

Sobre o Odinga, tem 77 anos, e, neste momento, está na fila da frente como candidato, de facto, e é um veterano da política. Desta vez, pela quinta vez, parece que Odinga lidera as intenções de voto. Vamos ver o que é que tudo isto dá. 

RFI: Para vencer o escrutínio, é necessário que um dos candidatos tenha mais de 50% dos votos e pelo menos um quarto da votação em 24 dos 47 círculos eleitorais. Acredita numa vitória de um dos candidatos já na primeira volta?

Laura Vasconcelos: Tenho a impressão de que vai ser um bocadinho complicado. Talvez seja um bocadinho difícil, mas é possível que o Odinga consiga vencer já. Os quenianos com quem tenho falado, estão todos crentes de que Odinga possa, de facto, desta vez, vencer à primeira volta. Senão, terá de haver uma segunda volta. Aqui põe-se o problema. Se existir uma segunda volta, vamos ver como é que isto corre até lá porque poderão começar a existir algumas insurreições. Eu penso que ele vai vencer à primeira volta, de qualquer modo, as eleições podem ser contestadas, se Odinga não vencer ou se Ruto não vencer. Os seus seguidores podem contestar as eleições e começar a provocar alguns distúrbios.

RFI: Considera que há o risco de acontecer uma situação semelhante à de 2017, em que o Supremo Tribunal anulou a vitória de Kenyatta após uma petição de Odinga que alegava “irregularidades e ilegalidades” no processo de contagem dos votos e má gestão por parte da Comissão Eleitoral?

Laura Vasconcelos: Não sei se irá até esse ponto, mas é possível. Penso que desta vez, talvez não vá até esse ponto. Vamos ver os resultados. Ainda é preciso tempo para que os resultados saiam e depois vamos ver o que é que vão dizer sobre os resultados, se desconfiam que não são os resultados que deveriam ser e, então aí é que poderá haver problema, mas só nessa altura. Eu estive cá nas eleições de 2017, estive cá nas outras anteriores, eu estive cá nas eleições todas e, de facto, não houve revoltas. Tudo aquilo que aconteceu em 2007-2008 não aconteceu nas últimas eleições.

RFI: Em que medida é que a violência étnica é de novo temida neste escrutínio?

Laura Vasconcelos: Não me parece que possa haver violência étnica, mas, como lhe digo, só após a contagem dos votos é que poderemos ver como é que isto se vai passar. Eu estou convencida de que vai correr tudo bem. Todos os quenianos com quem eu tenho falado têm afirmado que as eleições deste ano serão, na mesma, calmas. Vamos ver. Só depois da contagem porque depois podem dizer que não acreditam nas contagens e que querem a recontagem. Aí pode começar a haver barulho. Relativamente à violência étnica, não ouvi falar em nada. 

Uma eleitora aguarda para votar nas eleições gerais do Quénia. 09-08-2022
Uma eleitora aguarda para votar nas eleições gerais do Quénia. 09-08-2022 REUTERS - THOMAS MUKOYA

RFI: Os eleitores não ficarão desorientados por se tratarem de eleições gerais em que, grosso modo, se elegem todos os órgãos num único dia? A democracia não fica a perder?

Laura Vasconcelos: Eu sinceramente não sei se a democracia fica a perder ou não, mas, de facto, concordo consigo. Eles [os eleitores] têm uma folha para as eleições que tem seis pessoas para eleger para estas eleições. É capaz de ser um bocado confuso. Para já, grande parte dos quenianos não tem, enfim, o conhecimento suficiente e pode ficar confuso com o boletim de voto. Vamos esperar que não porque todos eles são precisos para votar, mas é uma possibilidade.

RFI: De acordo com o Presidente da Comissão Eleitoral do Quénia, Wafula Chebukati, espera-se uma participação reduzida por parte dos jovens neste escrutínio. Porque é que acha que os jovens não se interessam pelo futuro político do país?

Laura Vasconcelos: Eu acho que os jovens estão um bocadinho decepcionados com a política no país e, se calhar, por isso não se interessam pelo futuro, o que eu acho uma pena porque efectivamente deveriam. Eu tenho também jovens no centro de acolhimento, que eu tenho aqui no Quénia - que é o meu trabalho aqui - que já têm 18/20 anos e que me disseram que não iriam votar.

RFI: E estão desiludidos em que medida?

Laura Vasconcelos: Não acreditam em nada daquilo porque acham que o país vai ficar igual. Mas, também não está igual ao que estava em 2008 porque, de facto, o Presidente Kibaki, que esteve aqui até 2008, iniciou bastantes coisas boas, como os projectos para a construção de estradas e uma série de melhoramentos, que foram depois colocados em prática pelo Uhuru Kenyatta.

Eu penso que os jovens começam a ficar decepcionados com a política porque os resultados nunca são aquilo que eles mais gostariam que fossem.

RFI: Quais são os principais problemas que assolam o Quénia e que fazem os jovens desacreditar?

Laura Vasconcelos: Meu deus... Há tantos problemas aqui. A questão económica, a dívida externa do Quénia é imensa, a subida dos preços incrível... A guerra e a Covid-19 abalaram bastante [o país]. Todas as empresas de exportação de café, de chá e de cereais, por exemplo, cairam muito nos últimos meses e isso provocou este aumento enorme de preços.

Até a gasolina está a 170 Shillings, que dá, mais ou menos, 1.60 euros. Eu nunca tinha visto a gasolina tão cara aqui e isso, com certeza, vai ter impacto nos jovens, que agora começam as suas vidas e que têm problemas financeiros. 

RFI: O Quénia é a locomotiva económica de toda a África de Leste, com fortes movimentos migratórios para o país. Qual é o estado da economia actualmente? O país vive de safaris e do cultivo de rosas para o mercado europeu. Esta realidade não tem vindo a evoluir?

Laura Vasconcelos: Não, precisamente por aquilo que eu lhe disse. Há muitas empresas de exportação de milho, de chá ou de café, que cairam imenso, nos últimos tempos. Os safaris com a Covid-19 também cairam e, portanto, a economia do Quénia está bastante abalada, no entanto, todos nós sabemos que há enormes fortunas aqui no país, a começar pelo Presidente queniano.

Existe uma disparidade e desigualdade gigantesca entre as pessoas mais pobres e as mais ricas. Estas pessoas depois, mesmo as dos bairros de lata, começam a ficar descrentes sobre tudo e são pessoas que já têm tantos problemas (para se alimentarem, para colocarem os filhos na escola, para poderem pagar essas coisas todas) que depois acabam por pensar 'porque é que eu vou votar? Isto é sempre a mesma coisa'. Acredito que haja uma abstenção relativamente grande.

RFI: O terrorismo também assola o país. O Quénia está cercado por países instáveis, como é o caso da Somália. Qual é o diagnóstico que se pode fazer neste campo?

Laura Vasconcelos: Eu penso que, relativamente ao que se passa ao nível do terrorismo, agora tem estado calmo. Eu estive cá em várias alturas em que houve atentados, mas agora tem estado calmo. Que eu saiba, não tem havido atentados. Evidentemente que é um sistema de inquietação para a população, mas, neste momento, sinceramente eu vejo a população calma e vamos esperar que isso continue durante as eleições e que tudo corra bem. O Quénia é um país magnífico e realmente precisa de estabilidade. 

RFI: Acredita num futuro risonho para o país?

Laura Vasconcelos: Eu tenho de acreditar. Eu tenho aqui "36 filhos" porque são filhos e eu tenho de acreditar porque estas crianças, que hoje em dia já são jovens, já estão a florescer para o futuro. Tenho duas na universidade, tenho já crianças que estão comigo há 15 anos e outras, que já não estão comigo, que já sairam do centro e estão a trabalhar. 

Eu tenho de acreditar num futuro risonho porque é um país que merece e, para além disso, há aqui pessoas muito boas e com uma parte intelectual enorme, com um potencial gigantesco, têm é de trabalhar para lutar pelo seu país.

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