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Direitos humanos na Guiné-Bissau: “Isso não interessa à França”

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Terminou esta quinta-feira, 28 de Julho, a visita de 12 horas que o chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, realizou à Guiné-Bissau. A primeira deslocação de um estadista francês que coincide no momento em que o Presidente Umaro Sissoco Embaló assume a presidência rotativa da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental-CEDEAO.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, com o homólogo da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, em Bissau.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, com o homólogo da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, em Bissau. AFP - LUDOVIC MARIN
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Em entrevista à RFI, o sociólogo e analista político, Diamantino Lopes, refere que as questões de direitos humanos no país não foram abordadas pelos dois líderes políticos, todavia sublinha que esta viagem pode abrir portas a Bissau, tendo em conta a importância de Paris na cena internacional.

RFI: Que importância tem a visita do Presidente francês, Emmanuel Macron, à Guiné-Bissau, esta que é a primeira visita de um estadista francês a Bissau?

Diamantino Lopes: Esta visita tem muita importância no plano diplomático. Sendo [a França] um país muito importante da União Europeia, esta visita reflecte uma grande importância para a Guiné-Bissau. Pode, de um certo modo, abrir portas para o país, considerando a influência de Paris não só na Europa, nas Nações Unidos e também em África. A França tem uma presença representativa em África, sobretudo na parte ocidental, onde a Guiné-Bissau está enquadrada geograficamente e pertence a múltiplas organizações sub-regionais, nas quais a França tem interesse e influência. É o caso da UEMOA, CEDEAO, União Africana...

Esta deslocação coincide com a presidência rotativa da Guiné Bissau na CEDEAO. O que a França tem a ganhar com esta visita?

Exercendo a presidência rotativa da CEDEAO, [a Guiné-Bissau] terá condições para influenciar a agenda da organização. A França está muito preocupada com a situação política que se vive no Mali, na Guiné-Conacri, no Burkina e na Costa do Marfim.

A França preocupa-se com a segurança na região, sobretudo com a questão do terrorismo que afecta os interesses da França que tem muitas empresas nesses países. 

A França está a perder influência com vários países da sub-região, que são as suas ex-colónias, o que permite os seus rivais da geopolítica, tais como a Rússia e a China, aumentarem as suas influências nesses países. Que papel pode desempenhar o Presidente Umaro Sissoco Embaló nesse xadrez político?

É, de um certo modo, complexo o papel que o Presidente Sissoco pode jogar nesse xadrez político, uma vez que as ex-colónias francesas vivem um dilema na relação França-Rússia. A Rússia esteve sempre ao lado desses países ao longo da luta de libertação, dando apoio militar, treino e alimentação. Depois da Guerra Fria, o ocidente voltou a assumir protagonismo nesses países, mas nunca os líderes africanos deixaram a Rússia. Vivem desses valores históricos e não conseguem deixar a Rússia. 

Tudo indica que a Rússia vai ganhando protagonismo, porque está a melhorar o índole político, estratégico, sobretudo no âmbito militar, e económico nesses países, procurando novos parceiros.

O interesse da Rússia no continente africano aumentou, considerando o conflito com a Europa, devido à guerra com a Ucrânia e, nesse contexto,  os aliados da Rússia são os países africanos, a China e a Índia. É nesses países que a Rússia investe.

De notar, igualmente, que no continente está a ressurgir o espírito africanista. Há o despertar dessa consciência que, de certo modo, compromete o interesse francês nesses países e por isso agora esse périplo francês para recuperar o terreno perdido.

O Presidente Embaló tem a sua influência e boas relações com esses países da costa africana, não é por acaso que ele foi nomeado para exercer essa função. Porém, a Guiné-Bissau não conquistou a presidência rotativa da CEDEAO pelas suas funções democráticas. 

Vários analistas dizem que a Guiné-Bissau conseguiu a presidência rotativa da CEDEAO porque, neste momento, o Senegal preside à presidência rotativa da União Africana...

Sim, muitos fazem essa correlação dos factos. O Presidente da Guiné-Bissau e o homólogo senegalês têm uma relação muito íntima, sobretudo após a chegada de Umaro Sissoco Embaló ao poder. O Senegal é praticamente um padrinho desse regime, neste preciso momento, fazendo esta combinação podem mexer com algum xadrez a favor dos seus parceiros, neste caso a França. 

Os partidos políticos do Espaço de Concertação Democrática enviaram uma carta ao chefe de Estado francês, Emmanuel Macron onde se mostram satisfeitos com a visita, no entanto alertam para o facto desta visita poder legitimar um regime fortemente criticado no último relatório do departamento de estado norte americano sobre direitos humanos e corrupção. Considera que há este risco? 

Neste preciso momento, isso não interessa à França que vai fechar os olhos aos direitos humanos. A França tem uma agenda própria. No entanto, é sempre bom fazer críticas e mostrar que isto não está bem. É igualmente importante mostrar à França e ao seu Presidente que a sociedade percebe que o interesse francês não tem a ver com o bem estar do povo guineense, mas sim com a  salvaguarda dos interesses franceses. 

No comunicado sobre a visita, a Presidência francesa declara que "as questões da governação e do Estado de Direito serão abordadas”. São conhecidos os retrocessos nas questões dos direitos humanos, nomeadamente, as  detenções arbitrárias, os raptos, os espancamentos dos cidadãos e a intimidação de jornalistas. Estas questões serão discutidas?

Não conheço bem a agenda, mas pelos vistos este assunto não faz parte das prioridades desta discussão. Sei que o Presidente Macron vai reunir com o governo, a ministra dos Negócios Estrangeiros, o ministro da Defesa, o ministro das Finanças e com o primeiro-ministro, esses actores vão discutir outra coisa que não tem nada a ver com a violação dos direitos humanos, isso não interessa ao sistema. O que o sistema vai fazer é tentar mostrar que está tudo em ordem, até porque quando esses casos [ deabusos dos direitos humanos] acontecem dizem que é um caso isolado e não há responsabilização.

O primeiro-ministro diz que esta visita é fruto da estabilidade que se vive no país...

É o mínimo que ele pode dizer. Como é que se pode pensar que estamos num país estável, que permite visitas de um conjunto de chefes de Estado, quando vivemos uma crise económica, financeira e social? A isto juntam-se os casos de rapto e espancamento. Recentemente, uma criança de 17 anos foi sequestrada porque o pai é um critico do regime nas redes sociais. Esta realidade deixa entender que há uma crescente violação da liberdade de expressão, intimidação a qualquer pessoa que se opõe à visão política do regime vigente no país.    

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