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"Putin vai continuar a jogar na divisão da Europa"

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As entregas do gás russo à Europa caíram esta quarta-feira para cerca de 20%. A Rússia alega que o gasoduto Nord Stream 1 não pode funcionar sem uma turbina que está no Canadá e que não foi entregue por causa das sanções. Os países ocidentais acusam Moscovo de estar a retaliar em resposta às sanções adoptadas na sequência da invasão russa da Ucrânia. O eurodeputado português do PSD, Paulo Rangel, considera que esta decisão mostra que "Vladimir Putin continua a jogar na divisão da Europa".

As entregas do gás russo à Europa caíram esta quarta-feira para cerca de 20%, conforme tinha sido anunciado.
As entregas do gás russo à Europa caíram esta quarta-feira para cerca de 20%, conforme tinha sido anunciado. REUTERS - HANNIBAL HANSCHKE
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Esta redução do gás russo é justificada ou trata-se de mais uma manobra de Moscovo? 

Estamos diante de uma situação em que a Rússia põe e dispõe. Trata-se de uma consequência das sanções, como a Rússia alega, e nesse caso a Rússia tem nas suas mãos, ou tinha, o instrumento para parar com esta agressão contra a Ucrânia. 

Ou então, estamos a falar de algo um pouco mais sofisticado e maquiavélico, usando uma expressão clássica da ciência política, que é invocar as razões técnicas, aproveitar-se das razões técnicas, para mostrar o seu poder, criar danos na esfera ocidental, limitando o acesso a essa fonte de energia, da qual a Europa tanto depende, que é o gás.

Este corte pode ser visto pela União Europeia como um pretexto de Moscovo para pressionar os países ocidentais, num contexto no contexto do conflito da Ucrânia?

Sim, sem dúvida que é isso. Agora, se a União Europeia está nessa situação, a responsabilidade é da União Europeia, designadamente da Alemanha e da Itália que foram países que alimentaram profundamente -a Alemanha mais do que qualquer outro- a dependência do gás russo.

Também há aqui uma responsabilidade da França. As autoridades francesas, produtoras de energia nuclear, nunca quiseram desenvolver na Península Ibérica as interconexões necessárias para que o gás que vem da Argélia ou o gás liquefeito da Nigéria e dos Estados Unidos pudesse ser distribuído na Europa. Isso aliviaria muito a dependência do gás russo.

O mesmo se aplica à Grécia com o oleoduto na Bulgária, que está agora a ser construído, mas que já podia estar feito há muito mais tempo. Assim como poderia estar duplicada a interligação de Trieste até à Áustria, que poderia fornecer o gás que vem do canal do Suez, Península Arábica, Quatar, dos Emirados Árabes Unidos, fazendo-o chegar à Europa. 

Os países europeus queriam abastecer as reservas de gás até ao mês de Setembro, mas este corte vem deitar por terra esta opção. Que impactos terá esta redução na Europa? Os europeus vão ter um inverno mais frio? 

Neste contexto de crise energética, que se avizinha a passos de galope, [a Europa]  está a preparar-se de forma preventiva. Não sei se vai a tempo de minorar todos os efeitos negativos, penso que não, mas vai com certeza minorar muitos. Por exemplo, o acordo alcançado, ontem, pelo Conselho de Energias prevê que os Estados comecem a reduzir voluntariamente o seu consumo de gás em 15%, podendo eventualmente tornar-se obrigatório, no caso de haver uma declaração de estado de alerta. Nesse cenário, estão previstas excepções para alguns Estados, as chamadas ilhas energéticas. Desde logo, as ilhas geográficas como é o Chipre, Malta ou a Irlanda, mas também, por exemplo, a Península Ibérica que não têm ligações relevantes.

Esta redução de consumo justifica-se ? Estes estatutos especiais fazem sentido numa Europa que atravessa uma crise energética e que se devia mostrar mais unida?

Uma Europa mais unida é sempre uma questão controversa. Reduzir o consumo de gás em Chipre, Malta e Portugal não vai trazer nenhuma vantagem para os outros países europeus porque não há forma de fazer chegar esse gás à Alemanha, aos Países Baixos ou à Hungria. Outra questão tem a ver com a situação de seca severa a que está exposta a Grécia, Portugal e a Espanha, por causa das alterações climáticas. Os caudais dos rios estão extremamente baixos e se a estação Outuno/Inverno não for chuvosa uma das grandes fontes de energia renovável destes países, a energia hidreléctrica, estará limitada. Portanto, vai ser preciso recorrer ao gás para produzir energia eléctrica. No caso português, o que conheço melhor, trata-se de uma questão de segurança energética.

Vários analistas consideram que o Presidente Vladimir Putin está a testar a determinação e a unidade da União Europeia, sublinhando que o que poderá vir a acontecer é que vai Moscovo dar um pouco mais de gás a uns e não a outros para ver se a unidade se mantém. Estou a pensar que a Hungria...

Eu acho que Putin tem jogado sempre e vai continuar a jogar na divisão europeia. Isso ficou claro com a questão da redução dos 15%, com os países a manifestaram divisões. Não há dúvida que temos um problema estrutural que é a Hungria. Isto nada tem a ver com a população, com o Estado, nem com o poder político húngaro, mas sim com o Victor Orbán que é um aliado de Putin por causa do gás.

A dada altura, um dos grandes problemas que a Hungria tinha era a factura de gás e Putin ofereceu-se para vender o gás a preços bem mais baratos do que vendia a outros Estados. Victor Orbán tornou-se cúmplice da Rússia e até num admirador daquilo a que chama a democracia liberal, que não é compatível com os valores europeus.

Hoje, isto representa um problema. Há muitas matérias em que vamos ter de tomar decisões sérias, que vão requerer unanimidade, no Conselho Europeu ou no Conselho de Ministros Sectoriais, e a Hungria vai bloquear esses serviços. 

Vamos ter de saber o que fazer nessas circunstâncias porque, provavelmente, os 26 não poderão ficar reféns de um Estado, tratando-se de matérias críticas para o futuro da Europa. Estamos a falar de uma guerra, de uma tensão geopolítica, que não se conhece desde a segunda guerra mundial, e teremos de ultrapassar essa rebeldia húngara. 

Ao mesmo tempo, há também aqui preocupações com o que vai acontecer em Itália que realiza eleições a 25 de Setembro. Isto não é um caminho sorridente e solarengo que está diante de nós. É um caminho com espinhos, dificuldades e é importante fazer essa pedagogia junto dos nossos cidadãos e cidadãs europeias. 

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