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"Corrupção impede Estado de lidar com o extremismo no norte de Moçambique"

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"Neste momento está a passar pela maior crise humanitária da história do nosso país", alerta o  director executivo do Centro para Democracia e Desenvolvimento. Adriano Nuvunga acredita que de alguma maneira "é a corrupção que impede o Estado de lidar com o extremismo violento no norte de Moçambique. É a corrupção que permite que o exército moçambicano tenha 7000 soldados fantasmas".

Adriano Nuvunga, director do Centro Para a Democracia e Desenvolvimento.
Adriano Nuvunga, director do Centro Para a Democracia e Desenvolvimento. © RFI/Lígia Anjos
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Em pleno conflito que afecta o norte de Cabo Delgado, o governo moçambicano aprovou o pedido de atribuição de 12.000 hectares de terras localizadas em Palma para o Centro de Promoção de Desenvolvimento Económico de Cabo Delgado (CPD), uma entidade pública criada em Maio de 2021 e cujas atribuições e competências se confundem com o mandato da Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN), alerta o director executivo do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga.

RFI: A aprovação não foi antecedida por uma consulta pública às comunidades afectadas, conforme obriga a legislação sobre terras, e a consulta pública não tinha como acontecer devido ao conflito que obrigou as populações de Palma a abandonarem as suas zonas de origem. O que é que isto significa?

Adriano Nuvunga: Isto é preocupante porque Cabo Delgado neste momento está a passar pela maior crise humanitária da história do nosso país, com deslocados internos, milhares de deslocados internos e refugiados. Há um encorajamento para as pessoas voltarem para zonas de origem. Sucede que, em paralelo a essa atribuição de milhares de hectares para entidades de objecto e objectivo não muito claro, não houve auscultação da população porque a população não está lá. Está refugiada a busca de zonas seguras e estão a atribuir parte daquela terra das pessoas que estão os refugiadas.

E que poderão voltar a elas, um dia quando houver condições de segurança.

Claro, mas para voltar têm de encontrar as terras porque elas já foram exacerbadas a pretexto de programas de desenvolvimento, mas na realidade esta terra é para ser entregue aos dirigentes que estão no poder e a questão da auscultação das comunidades tem estado a ser gravemente atropelada e conduz a esta situação de insatisfação generalizada das comunidades em relação à governação da terra porque o interesse das comunidades não está sempre protegido. Não é a lei que vai resolver o problema é a governação da terra que inclui a questão da corrupção, que é perpetuada pelos dirigentes, que levam o açambarcamento da terra das comunidades.

Existe uma frágil democracia?

Moçambique vive um sistema democrático desde que se realizaram as eleições, que fundaram a democracia em 1994. A Frelimo está a fechar a porta da democracia e arrisca àqueles factores que levaram a instabilidade. A democracia foi instaurada para resolver o problema do conflito Moçambique e os conflitos não estão resolvidos. Vejam, por exemplo, a actual revisão da legislação ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. Estão a utilizar uma lei que é uma lei importante para ajudar a combater o terrorismo para fechar a democracia, para agredir os passos cívico de actuação da civil, para agredir o espaço cívico de actuação da comunicação social e isto é feito pelas mesmas pessoas que dia após dia estão as expropriar o Estado e a fechar as possibilidades de realização de direitos humanos.

Esta lei não visa, essencialmente, combater o terrorismo. O estudo foi feito indica que o problema é que Moçambique não aplicou a legislação que já estava lá. Não é que a lei era defeituosa, mas veja a proliferação de pequenos e médios negócios, que alimentam a economia ilícita na região norte de Moçambique e o Estado não está interessado em controlar. A questão da economia ilícita , incluindo o tráfico de droga, de que Moçambique é um importante corredor, com intersecção e protecção do sector policial, que o Estado não está interessado em controlar. Veja até o financiamento dos partidos políticos. Nunca alguém neste país soube de onde é que vem o dinheiro que vai para os políticos, até para as eleições. Nunca sabemos quanto dinheiro movimentam e está a circular. Isto é fechamento da democracia e o fechamento do espaço cívico.

Que futuro para Moçambique?

Moçambique não está no caminho bom. Há uns anos atrás nós discutimos se Moçambique ia seguir o caminho de Angola, seguir o caminho do Gana ou seguir o caminho da Guiné Equatorial. Hoje em dia já retiramos o Gana do cenário. Moçambique está entre a República Democrática do Congo e a Guiné Equatorial. É nesse clube onde Moçambique se situa por causa de corrupção. De alguma maneira é a corrupção que impede o Estado de lidar com o extremismo violento no norte de Moçambique. É a corrupção que permite que o exército moçambicano tenha 7000 soldados fantasmas, por exemplo. É um crime de Estado, permitir que, recursos bastante parcos que Moçambique tem, sejam utilizados para pagar 7000 soldados fantasmas. Numa altura em que mais precisamos das nossas tropas, de jovens para combater o extremismo violento, é na altura em que a corrupção permite não somente de retirar o dinheiro, mas que não haja soldados porque pensamos que há soldados, mas afinal não estão lá.

Moçambique está a sair do clube dos países que querem crescer economicamente e permitir que possa haver um dividendo da paz, que foi capturado pelas elites da Frelimo, através de uma governação corrupta, impediram a realização do crescimento e desenvolvimento para que se tivesse o dividendo da paz. Aquilo que se pode esperar é o contínuo sofrimento da população, num contexto onde há um crescimento exponencial da população.

Fala-se muito desta  triangulação entre o Ruanda, França e Moçambique com algumas reuniões entre os três chefes de Estado Paul Kamage, Emanuel Macron e Filipe Nyusi. Que triângulo é este?

Este é um triângulo de viabilização do projecto de gás natural e é bastante triste para Moçambique, uma nação gigante como esta, de 30 milhões de habitantes, depender do Ruanda, um país que é dimensão do distrito de Macomia, uma nação gigante como esta, com metade da população de Moçambique, vir defender a nossa soberania Moçambique, é triste.

Os termos de engajamento entre Ruanda e Moçambique não são transparentes, nunca foram publicados os termos desse engajamento. Isto é contra o estado democrático e a vinda de tropas estrangeiras tem que envolver sempre todas as forças, particularmente, o parlamento que foi deixado de lado completamente. Estamos preocupados com esta triangulação porque noutras partes de África o envolvimento do Ruanda não foi exemplar, no que toca à relação com a sociedade, no que toca também relação com os naturais desses países e também no que toca ao tempo de sair do país. O Ruanda está aqui, mas quando é que vai sair, quanto que vai custar isso para a sociedade moçambicana? Cada dia de permanência Moçambique, cada hora de permanência dos soldados ruandeses aqui custa alguma coisa da riqueza dos moçambicanos. Quanto é que isso vai custar?Isso devia de domínio público.

É uma triangulação sem transparência, sem espaço para a pressão de contas, é problemática e também fere o orgulho nacional porque este é um país, com a dimensão de Macomia, a proteger uma nação grandiosa, que no passado esteve na linha da frente a ajudar a libertar países da África Austral.

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