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"As vantagens de uma Europa a várias velocidades"

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O Chefe de Estado francês, que lidera a presidência rotativa da União Europeia, manifestou a intenção de criar uma "Comunidade Política Europeia", uma espécie de confederação, destinada a unir os países do velho continente. Emmanuel Macron explicou que o objectivo é associar a Ucrânia, a Moldávia, a Geórgia e os países dos Balcãs ocidentais à família europeia, sem apressar a sua adesão, que pode levar “várias décadas”.

O Chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, que lidera a presidência rotativa da União Europeia, manifestou a intenção de criar uma Comunidade Política Europeia.
O Chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, que lidera a presidência rotativa da União Europeia, manifestou a intenção de criar uma Comunidade Política Europeia. AP - Jean-Francois Badias
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O eurodeputado português do partido social-democrata, Paulo Rangel, mostra-se céptico quanto à criação de uma Comunidade Política Europeia, no entanto reconhece as vantagens de uma Europa a várias velocidades. 

RFI: Este projecto não é novo.  Em 1989 François Mitterrand já tinha apresentado a ideia- no final da guerra fria- mas a intenção acabou por ser rejeitada pelos países que integravam a antiga URSS, receando um atraso no processo de adesão à CEE. Trinta e três anos depois o contexto não é o mesmo. O que é que mudou?

Paulo Rangel: Houve muita coisa que mudou. Quando François Mitterrand faz a proposta, ele estava à espera da modernização dos países de leste, incluindo também a Rússia, na sequência da queda da União Soviética, e da mudança do regime primeiro e depois da própria fragmentação. A ideia era poder vir a ter esses países numa organização comum.

Hoje em dia, como é evidente, a União Europeia já se alargou muito e tem muitos países de leste, três deles da antiga União Soviética e os outros do Pacto de Varsóvia. Evidentemente que se punha aqui o problema de saber como associar outros Estados que, até pela sua geografia, já não estão bem no perímetro europeu mais central. Enquanto que os Balcãs, rodeados pela Grécia, Bulgária, Hungria, Croácia, têm fronteira com estes países, no caso da Ucrânia, por um lado, Moldávia e a Geórgia -ainda mais do que os outros- são geografias muito a leste.

É preciso lembrar, que antes da guerra na Ucrânia, não era pensável que estes três países do Cáucaso se juntassem à família da União Europeia. Tinham acordos de associação, mas não era pensado. No que diz respeito aos Balcãs, dos seis estados que querem aderir, quatro já têm o estatuto de candidato, mas as negociações com a Macedónia, Macedónia do Norte e Albânia estão paralisadas e há dois, Kosovo e a Bósnia, que têm o estatuto de candidato. Porventura, o que Emmanuel Macron queria com é dar um enquadramento europeu e uma perspectiva europeia a estes Estados.

Como é que funcionaria esta "Comunidade Política Europeia"?

Eu sinceramente tenho dúvidas sobre esta ideia. Há um outro ponto, no discurso de Emmanuel Macron, que talvez ajudasse a resolver isto de outra maneira e que já foi aliás defendido também no passado. Macron, a propósito da integração, falou muito na ideia de termos [uma Europa] a diferentes velocidades. Um primeiro ciclo que está mais integrado, um segundo círculo que está menos integrado, podendo criar um terceiro círculo- isso é que seria a tal Comunidade Política Europeia- ou se quiser uma União Europeia de nível três. Aqui estariam esses Estados que pretendem aderir ao nível dois e depois, eventualmente, mais tarde ao nível um, mas que ainda não têm condições para isso.

Eu não sei se não seria mais correcto, em vez de estar a criar uma nova instituição, criar um estatuto diferente dentro da União Europeia que, no fundo, seria um estatuto provisório e temporário até estar em condições de subir para o nível um.  Ao se criar uma organização em que esses países ficam de fora pode eternizar o afastamento da União Europeia.

Pode atrasar o processo de adesão?

Pode haver aquela sensação e dizer que esses países já têm uma aliança e não é preciso mais. Há um outro aspeto que é preciso perceber. Uma organização desse tipo vai implicar novas instituições, vai ser preciso uma assembleia parlamentar, um conjunto de cimeiras, dificultando muito, se quisermos, a própria governação da União Europeia.

Há um outro ponto que me põe algumas reservas, no que concerne a esta proposta adiantada pelo Presidente Macron.  Parece-me que vamos precisar de uma conferência de segurança europeia para estabelecer os novos quadros para a segurança da Europa. Essa conferência já pode ser ela própria, digamos, uma instância na qual este tipo de alianças e de aproximação sejam feitas, portanto pode também ser uma fórmula para resolver este problema, uma alternativa. Sinceramente, parece-me que a ideia é demasiado complexa e a França, não só a França, não está disponível para acolher estes Estados a curto prazo.

Não há um risco de alguns dos Estados membros decidirem que a União Europeia é demasiado restritiva e deixarem a União Europeia para ficar apenas na Comunidade Política Europeia?

Claramente, não tenho dúvidas sobre isso.

Este projecto recebeu o apoio do chanceler alemão Olaf Scholz e o Presidente Emmanuel Macron disse que o Reino Unido poderia ter um "lugar pleno" nesta nova "Comunidade Política Europeia”? Há essa possibilidade?

Eu acho isso muito difícil. O Reino Unido estaria muito disponível para participar num tipo de organização com estas características, mas não se ela for proposta pelo eixo franco-alemão nestes termos. Eles vão considerar que isso, no fundo, é um regresso à União Europeia. Um entendimento com o Reino Unido no quadro de uma conferência de segurança europeia é muito importante, mas tem que ser feito com o Reino Unido, não pode ser feito de fora para dentro.

É evidente que a Alemanha e a França não podem fazer nenhuma proposta de enquadramento segurança europeia sem o Reino Unido, isso não faz sentido absolutamente nenhum. O Reino Unido é, de longe, a potência militar mais forte da União Europeia, uma potência económica e global, evidentemente tem que ser tratada como tal.

Eu receio que, por vezes, algum nacionalismo ou patriotismo francês tende a esquecer estas realidades. O Presidente francês e a França têm a obrigação de não esquecer porque, apesar da rivalidade histórica com o Reino Unido, nos grandes conflitos europeus do século 20, o Reino Unido e França estiveram sempre do mesmo lado. Qualquer solução que se encontre não pode ser unilateral.

Emmanuel Macron também se mostrou favorável a uma revisão dos tratados da União Europeia, como foi proposto pelo Parlamento Europeu, para ganhar eficiência institucional em tempos de paz como em tempos de crise. Porém treze dos vinte e sete países da União Europeia opuseram-se ao lançamento de um procedimento para alterar adivinha-se uma longa batalha?

Sim, eu penso que vai ser uma batalha longa e difícil. Eu sou favorável a uma revisão dos resultados, embora ache que estamos todos a correr um pouco depressa demais. Repare, é evidente que o conflito provocado pela invasão russa da Ucrânia está longe de ter uma perspectiva de solução. Enquanto se mantiver esse quadro, eu acho que é difícil à própria União Europeia rever o seu posicionamento e enquadramento porque muita coisa pode mudar para esta solução que há de ser encontrada para o problema da Ucrânia. Não sei se nós não deveríamos esperar mais tempo e eu penso que é esse, também, o posicionamento de alguns desses Estados. Agora, é verdade que para a União Europeia poder agir mais rapidamente e mais eficazmente, para além de haver muitos procedimentos que se podem alterar sem revisão dos tratados, a revisão dos tratados poderia ser importante.

Há hoje um certo clamor das várias opiniões públicas europeias que considera que este é o momento oportuno. Porém, há muitos Estados que receiam que se iniciarmos uma convenção vamos perder muito tempo, vamos esgotar recursos, e não vamos concentrar as nossas forças no desenvolvimento de algumas tarefas que são verdadeiramente importantes.

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