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José Milhazes: "se Putin tiver uma vitória fácil na Ucrânia, ele não vai parar por ali"

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Esta madrugada, o presidente russo anunciou o lançamento de uma ofensiva contra a Ucrânia, declarando que não pretende ocupar esse pais nem tão-pouco "impor nada a ninguém pela força". Ao esclarecer hoje que "Vladimir Putin expôs claramente as suas exigências", a neutralidade e a não-disseminação de armas ofensivas na Ucrânia, o Kremlin disse que o" conflito duraria o tempo necessário", em função dos "resultados" e da sua "pertinência".

Imagem feita a partir de vídeo divulgado pelo Serviço de Imprensa Presidencial russo em que Vladimir Putin se dirige à nação russa nesta quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022.
Imagem feita a partir de vídeo divulgado pelo Serviço de Imprensa Presidencial russo em que Vladimir Putin se dirige à nação russa nesta quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022. AP
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Reagindo à ofensiva russa que já causou varias dezenas de mortos militares e civis, o presidente ucraniano apelou a população à calma e declarou-se convicto de que o exército do seu país iria ter capacidade de fazer frente.

Com excepção da China que diz "compreender as preocupações russas", no resto do mundo, além da chuva de condenações internacionais à operação militar russa, o dia tem estado a ser marcado por reuniões de crise, os países membros da nato devendo encontrar-se de urgência amanhã.

Desde já novas sanções estão a ser encaradas nomeadamente pela União Europeia, mas para José Milhazes, escritor e antigo correspondente da RFI em Moscovo, nada parece poder travar no imediato Vladimir Putin e "se ele tiver uma vitória fácil na Ucrânia, ele não vai parar por ali".

RFI: Pensa que o objectivo de Putin pode ir além de desestabilizar e instalar um "regime amigo" na Ucrânia?

José Milhazes: A julgar pela forma como ele actua, eu arriscar-me-ia a dizer que se Putin tiver uma vitória fácil na Ucrânia, ele não vai ficar por ali. Agora vamos ver. Ele dirige um país com um grande exército, ele tem armas nucleares, daí que é muito difícil ver e até imaginar como é que agora vai ser possível travar o avanço de Putin e se ele vai parar aqui ou vai continuar. Se lhe correr bem na Ucrânia, eu acho que ele vai continuar.

RFI: Qual é a avaliação que faz da actuação do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelenky, durante todo este período de crise?

José Milhazes: é o Presidente de um país que pouco ou nada pode fazer. Os ucranianos tinham depositado enormes esperanças na sua eleição. Ele foi eleito por uma grande maioria dos ucranianos que esperavam que ele fizesse reformas, acabasse com os oligarcas e melhorasse o nível de vida das populações. Ele estava a ter muitas dificuldades e claro que esta guerra com Putin em nada veio ajudar. Ele está numa situação muito complicada agora.

RFI: Antes desta ofensiva de Putin, houve uma série de diligências diplomáticas para com Putin, isto não resultou porque no fundo Putin já queria desde o começo lançar essa ofensiva?

José Milhazes: Algumas das reivindicações que ele apresentava no seu ultimato de Dezembro, ele sabia que essas reivindicações eram inaceitáveis, nomeadamente no que diz respeito à política de 'portas abertas' da NATO e à política de adesão da Aliança Atlântica. Ele sabia que os Estados Unidos e os países-membros da NATO iriam dizer 'não' a esta tentativa de Putin limitar a soberania dos países. Ele recebeu uma resposta muito firme, mas como ele não gosta de fazer figura de político derrotado, está a jogar com toda a sua força e, por enquanto, ainda não podemos dizer que ele perdeu. A comunidade internacional praticamente nada pode fazer contra a Rússia porque ela tem armas nucleares. As sanções, o povo russo terá que as aguentar e penso que a Rússia está agora mais bem preparada para aguentar as sanções do que em 2014 depois da tomada da Crimeia.

RFI: Relativamente às sanções, há já uma série de personalidades próximas do Kremlin que são alvo de sanções, julga que no fundo as sanções económicas, mesmo hipoteticamente dirigidas directamente contra Putin não vão surtir efeito?

José Milhazes: Não. Acho que pelo menos não vão surtir efeito a curto prazo. As sanções, se tiverem algum efeito, será a médio ou longo prazo. É por isso que Putin arrisca, porque ele considera que não há sanções capazes de o obrigar a mudar de política. E é o que ele está a fazer, ele faz o que quer. As sanções vão afectar principalmente a população -os russos- e ele também sabe uma coisa: quanto mais fortes forem as sanções, não batem só nos russos, batem também nos europeus e de uma forma muito dolorosa, nomeadamente com o aumento do preço do petróleo etc...

RFI: Por outro lado, a Rússia, apesar de continuar a ser uma potência militar, em termos económicos, está a passar dificuldades. Qual é a margem de manobra que a Rússia tem neste momento para se envolver numa guerra?

José Milhazes: A Rússia, neste momento, tem uma coisa: tem uma grande reserva em termos de moeda e ouro. São 600 mil milhões de Dólares cuja quantia vai aumentando rapidamente porque o preço dos combustíveis está muito alto e a Rússia está a ganhar muito dinheiro com todo este processo. Agora, o que pode acontecer é que Putin não invista esse dinheiro na modernização do país, mas principalmente na parte militar e nas Forças Armadas. E aí, Putin de certamente que virá a ter problemas.

RFI: Quais são os eventuais trunfos que têm os países ocidentais e nomeadamente a União Europeia?

José Milhazes: Não estou a ver quais. Não consigo vislumbrar.

RFI: Há potencias que têm também a arma nuclear, não é só a Rússia.

José Milhazes: Sim, está bem. As armas nucleares existem, mas não é para serem utilizadas. Existem exactamente para não serem utilizadas por ninguém. Daí que, isso aí não é uma grande vantagem para os países ocidentais. Claro que isto garante-lhes a segurança e protege-os da possibilidade de a Rússia atacar com armas nucleares. Mas nós também sabemos que a própria Rússia não deverá empregar este tipo de armas porque sabe os perigos que corre se os empregar.

RFI: Logo que Vladimir Putin começou a dar os primeiros sinais de que ia lançar uma operação na Ucrânia, a Alemanha disse que suspendia para já a entrada em funcionamento do gasoduto Nord Stream II. Julga que este argumento pode a prazo convencer Putin a voltar atrás, uma vez que a Europa e designadamente a Alemanha são grandes clientes do gás russo?

José Milhazes: São grandes clientes mesmo sem o Nord Stream II. Ou seja, claro que a não-entrada em funcionamento desse gasoduto impedirá a Rússia de aumentar as suas exportações de gás para a Europa. Mas se tiver que fechar, a Rússia ainda fornece quantidades muito significativas de gás que faz com que alguns países europeus -e um tão importante como a Alemanha- fiquem a depender do gás russo. Por isso, não é só a Rússia que sai prejudicada. A Alemanha -maior economia europeia- também vai sair fortemente prejudicada. Por isso, também penso que não será o Nord Stream II que obrigará Putin a mudar de política.

RFI: A Rússia aparece cada vez mais isolada a nível internacional, com a excepção eventualmente da China. Xi Jinping tem-se mostrado próximo de Putin ultimamente mas, até agora, tem tido posicionamentos muito cautelosos relativamente àquilo que está a acontecer na Ucrânia. O que se pode esperar da China nesta crise?

José Milhazes: A China não vai reconhecer a independência das zonas separatistas e tem apelado para que a Rússia não recorra às armas para resolver o problema, mas recorra -sim- a conversações. Isto porque a China não está interessada em que haja um grande conflito na Europa porque isso irá provocar perdas muito grandes à economia chinesa, porque a Europa é um grande mercado para os produtos chineses. No caso de uma guerra, os chineses não terão a quem vender muitos dos produtos que fabricam. Além disso, há aqui outro problema: os chineses não querem abrir precedentes porque eles podem ser perigosos para a própria China. A China tem o Tibete, tem Taiwan, tem outras regiões. Vamos supor que agora a China reconhecia as repúblicas separatistas do Donbass. No dia seguinte, os países europeus teriam um argumento ideal para reconhecerem a independência de Taiwan. Claro que para os chineses, isso é inaceitável.

RFI: A seu ver, quais são os cenários mais plausíveis neste momento por parte designadamente dos Estados Unidos e dos Europeus face a esta guerra?

José Milhazes: Eles só podem continuar a intensificar o apoio militar à Ucrânia. Claro que não vão enviar homens para a Ucrânia. Seria o início de uma guerra entre a Rússia e a NATO directo e onde haveria uma enorme tentação de ambas as partes empregarem armas de destruição em massa como são as armas nucleares. Pouco mais podem fazer do que isso.

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