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José Maria Neves quer ser um "factor de construção de consenso"

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José Maria Neves foi eleito Presidente à primeira volta em Cabo Verde. O candidato do PAICV, de centro-esquerda, foi eleito por 51,2%, segundo dados provisórios e sucede a Jorge Carlos Fonseca, que cumpriu o seu segundo e último mandato.

Presidente eleito, José Maria Neves, 18 de Outubro de 2021.
Presidente eleito, José Maria Neves, 18 de Outubro de 2021. © RFI/Lígia Anjos
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Numa altura em que os votos ainda não foram todos contabilizados, cerca de metade dos eleitores inscritos votou, numas eleições com sete candidatos.

A prioridade do mandato de José Maria Neves, o quinto Presidente cabo-verdiano , vai ser o de ultrapassar a crise da pandemia da Covid-19, como nos explicou, em entrevista à RFI.

José Maria Neves: Estamos numa pandemia. Há um grande desgaste físico, emocional das pessoas. Há uma grande vulnerabilidade também. Esta pandemia provocou muitas perdas e, precisamente por isso, considero que é importante o facto de se ter resolvido essa questão logo à primeira volta. Mais 15 dias de campanha seria muito desgastante.

RFI: Qual é que vai ser a sua estratégia para reconstruir o país?

Eclesiastes, na Bíblia, diz que há um tempo para tudo. Há um tempo para disputa, há um tempo para desacordos, há um tempo para dissensos, mas há um outro tempo e é este o tempo de consenso, de acordos, de entendimentos. Serei um Presidente que irá costurar pontes, entendimentos, consensos ao nível do país para unir a nação global cabo-verdiana.

Ontem falava precisamente de unir, construir, proteger.

É isso. Unir, cuidar, proteger o país e aproveitar todas as capacidades e todas as competências. Um Presidente aberto a todas as sensibilidades políticas e sociais, capaz de congregar a nação em torno dos grandes desígnios nacionais. O nosso grande adversário é a crise que se agravou agora com a pandemia e temos, por um lado, de trabalhar de mãos dadas.

Dar as mãos também ao governo de Ulisses Correia e Silva do MPD? Ontem à noite, no seu primeiro discurso à nação, falou de colaboração. Como é que encara esta coabitação, já que é a segunda vez que acontece, depois de uma primeira vez e única em 2011? 

O Presidente é árbitro e moderador do sistema político. Serei um árbitro imparcial que adverte quando é necessário, mas que aconselha, sugere, apoia e que faz as articulações necessárias para que o país ganhe. Eu quero ser um factor positivo e pretendo, sobretudo, puxar o país para cima e aqui a estabilidade é um recurso estratégico.

Cabe ao Presidente criar todas as condições para que o governo e todos os órgãos de soberania cumpram a missão que devem cumprir nos termos da Constituição da República e, sobretudo, mobilizar a sociedade cabo-verdiana para os desafios destes novos tempos. Eu serei um Presidente destes novos tempos. Perguntaram-me se de entre os três presidentes da democracia, António Mascarenhas Monteiro, Pedro Pires e Jorge Carlos Fonseca, qual é que eu seria. Eu disse que seria os três mais alguma coisa.

Portanto, não há qualquer registo de tensão entre os dois grandes partidos cabo-verdianos (MPD e PAICV)?

Não. O Presidente não tem maioria. O Presidente quer sobretudo trabalhar no sentido do reforço da confiança mútua entre os partidos. Isso é fundamental para conseguirmos os consensos que são necessários. Há desafios imediatos, importantíssimos que os partidos devem assumir no parlamento para enfrentar a crise. Estarei disponível para ser factor de construção de consensos.

Há duas semanas quando falávamos e ainda era candidato e concedeu uma entrevista à RFI disse que a sua prioridade iria ser enfrentar e ultrapassar a crise pandémica que se vive no país. Imagino que hoje, presidente eleito, continue a ser essa a sua prioridade?

A minha grande prioridade e ontem expressei isso mesmo ao senhor primeiro-ministro, durante a conversa telefónica que tivemos, que pode contar comigo e que Cabo Verde pode contar comigo. Eu serei factor de entendimento, de construção de consensos para enfrentarmos os desafios. Eu quero que resgatemos a nobreza da política. Sei que há desgaste dos políticos e da política.

Este é o terceiro escrútinio em pouco mais do que um ano?

Sim e a minha perspectiva é de ser também o principal pedagogo do país, contribuir para a regeneração da política e a melhoria da imagem dos políticos no país.

A abstenção foi também um dos pontos importantes do escrútinio de ontem que superou 50%. Os resultados ainda são provisórios. Pergunto-lhe se houve um cansaço generalizado dos cabo-verdianos e se não teria sido uma boa ideia juntar as eleições num só dia.

Juntar as eleições, não sei, tendo em conta o nosso sistema de governo. Eventualmente, as legislativas e as autárquicas talvez, não sei, mas os mandatos têm durações diferentes. São questões que teremos de discutir e ver. Eventualmente, reduzir a legislatura que também é de 5 anos, tal como o mandato presidencial. Não sei se seria muito conveniente realizar legislativas e presidenciais ao mesmo tempo. Poderia ser muito confuso e podíamos ter a tentação de alguém querer escolher o campo, o árbitro e o varo.  Quanto à abstenção, já tivemos abstenções mais elevadas.

64% em 2016.

Sim. Tivemos mais de 64% de abstenção em 2016 e a abstenção nas eleições presidenciais, curiosamente, tem sido elevada, mesmo num outro contexto, então não será só por causa do cansaço, não é? Não tenho presente a abstenção nas legislativas, mas também foi elevada.

Existe uma necessidade de rever também a Constituição cabo-verdiana?

É claro que haverá sempre pontos a serem adaptados. Não vejo a necessidade de se mexer no sistema de governo. O sistema de governo funciona. Temos um sistema semi-presidencialista que tem garantido a estabilidade constitucional, desde logo, mas também a estabilidade política e institucional, mas há aspectos que se relacionam com a justiça que devem ser melhorados. No essencial, a Constituição tem provado, eventualmente, toda a problemática do poder regional, que é uma discussão muito forte neste momento em Cabo Verde. Eu acho.

E que é uma questão muito importante para si?

Claro. Trouxe essa questão. Vou despoletar também um debate nacional relativamente a esta matéria para não ficar apenas um espaço de disputa partidária, que eu acho que é o principal problema político que temos em Cabo Verde.

Temos uma excessiva partidarização da sociedade. Temos uma reduzida confiança mútua entre os partidos, o que leva a uma grande crispação e a bloqueios em relação a consensos e entendimentos. Essa desconfiança mútua leva também a algum desgaste da política e dos políticos e, portanto, o Presidente pode ser um factor de coesão, de união, mas também um catalisador de consensos aqui no país.

Ontem soubemos porque o disse no discurso que o candidato da oposição Carlos Veiga lhe ligou. Pergunto-lhe o que é que lhe disse e que outros telefonemas de parabéns recebeu nesta manhã?

Ontem falei com o doutor Carlos Veiga. Ele felicitou-me pela vitória e colocou-se à disposição para continuar a servir Cabo Verde. O que é importante é que todos sejam mobilizados para este novo momento, para enfrentarmos a crise e para conseguirmos o desenvolvimento no horizonte 2030. É isso mesmo que eu lhe disse.

Vou contar com ele, vou contar com todos nesta grande jornada. Ontem também falei com o Presidente da República, com o primeiro-ministro e com o Presidente de Portugal. Hoje de manhã falei com os presidentes da Guiné-Bissau, de São Tomé e Príncipe. Agora à tarde tenho também alguns presidentes da região que já manifestaram interesse em falar comigo à tarde.

Quem? O Presidente guineense, o presidente senegalês?

Vários presidentes aqui da região.

Uma entrevista feita pela nossa enviada especial a Cabo Verde, Lígia Anjos.

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