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Glória Silva: «Povo do Mali está farto de golpes de Estado e pode haver uma Primavera maliana»

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O Mali vive novamente momentos conturbados. Após os golpes de Estado de 2012 e de 2020, na noite de segunda para terça-feira, os militares levaram o Presidente de transição, Bah N’Daw, e o Primeiro-ministro, Moctar Ouane, para o campo militar de Kati, a cerca de 15 quilómetros da capital maliana.

O Primeiro-ministro maliano Moctar Ouane (esquerda) com o Vice-Presidente Assimi Goita (direita) em Bamaco.
O Primeiro-ministro maliano Moctar Ouane (esquerda) com o Vice-Presidente Assimi Goita (direita) em Bamaco. © AFP - MICHELE CATTANI
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Os militares ainda não se justificaram acerca das razões que levaram a esta iniciativa, no entanto ela aconteceu pouco depois da remodelação do Governo, em que dois golpistas de 2020, o ministro da Defesa e o da Segurança, Sadio Camara e Modibo Koné, foram exonerados. De notar que estes homens faziam parte da antiga junta militar, que foi dissolvida após o precedente golpe de Estado.

A Comunidade internacional já reagiu por intermédio do Secretário-geral da ONU, António Guterres, que pediu a libertação dos dirigentes, mostrando-se preocupado com estas detenções.

Glória Silva, empresária residente no Mali, admitiu que este golpe de Estado dos militares pode levar o povo à revolta, ela que começou por nos explicar como está a situação na capital maliana e o que poderá ter levado os militares a deterem o Presidente e o Primeiro-ministro.

RFI: Como está a situação em Bamaco?

Glória Silva: Aparentemente está calmo. Desde ontem (ndr: segunda-feira) às 14h30 que decidi abandonar o meu armazém e o meu escritório e vir para casa porque sabia que a situação não estava boa. No entanto por todo Bamaco, que fiz Bamaco todo de carro para vir para casa, está tudo calmo. Mas isto até é normal devido às greves que têm decorrido no Mali. Não houve tiros, por isso a situação aparentemente está normal. O povo falava que este Governo não ia durar muito. As pessoas também começam a dizer que estão fartas dos militares em Bamaco, não é o lugar deles.

O que ocorreu com a remodelação governamental?

É simples, o último golpe de Estado teve duas figuras emblemáticas e foram-lhes dado o ministério da Defesa e ao outro o da Segurança. Tiveram direito a dois postos. Por isso eu não percebi esta remodelação governamental. Porque se foi uma remodelação para retirar estes dois militares, não tem lógica. Porque isso é mesmo dizer: Vamos tirar os dois golpistas e vai haver um golpe de Estado. Essa parte não entendi. Ao tirar os dois principais golpistas do Governo, estão a pedir um novo golpe de Estado. Fizeram a mesma coisa que fizeram com o IBK em 2020. Controlam as tropas e golpe de Estado.

Qual é o problema com os militares?

O grande problema está no precedente que se abriu em 2012, quando os militares entraram na política. Agora para acabar com isto vai ser difícil. Mas a guerra está no Norte, não está aqui em Bamaco. A guerra contra o terrorismo está no Norte, mas aproxima-se cada vez mais de Bamaco. As nossas cabeças pensantes a nível militar devem estar no Norte.

Mesmo se há eleições, sente que estas situações podem ser recorrentes?

Vai ser recorrente. Enquanto não houver uma hierarquia militar e uma chefia militar digna de nome, nada vai mudar. Desde 2012 que não há um general que comande as tropas do Mali, há muitos. E enquanto houver muitos, não se vai a lado nenhum. Tem que haver uma hierarquia militar. Quando um capitão faz um golpe de Estado, acabou. Quando quatro coronéis fazem um golpe de Estado, acabou. Agora dois coronéis fazem um golpe de Estado. Isto chega a um ponto em que até um soldado pode um dia fazer um golpe de Estado.

O povo pode revoltar-se como os países árabes em África?

Pode haver uma revolta do povo. Até agora esteve um pouco adormecido. Se houver um político que alerta a consciência popular, os populares são capazes de retirar os militares do poder. Já o fizeram há muitos anos, na década de 80. Foi o povo que retirou um ditador militar. Ele colocou os tanques na rua, o povo lutou, morreu, mas o povo acabou com os militares. Eles estão a esticar a corda. Os militares são para servir o povo, não é o povo a servir os militares. Se os militares continuarem no poder, podemos fazer uma Primavera maliana como fizeram os árabes.

Mas há líderes para uma revolução maliana?

Existem e eles estão a fazer as suas bases. Existem políticos que são capazes de lá chegar porque os políticos também estão fartos, a sociedade civil está farta. Essa consciência popular pode vir a existir. Se estiverem bem preparados, bem sintonizados, pode existir amanhã.

O que podemos esperar nos próximos dias?

As negociações vão correr bem, eles vão fazer o que querem. A comunidade europeia, por muito que fale, vai ter que os apoiar, e depois a resolução do Mali passa por uma revolução popular, que mais tarde ou mais cedo tem de chegar. A comunidade internacional não se pode substituir ao povo.

 

07:43

Glória Silva, empresária residente no Mali 25-05-2021

O vice-presidente Assimi Goita anunciou, segundo informações reveladas pela agência francesa AFP, que demitiu o Presidente e o Primeiro-ministro por não terem respeitado as condições da transição que vão levar a eleições durante o ano de 2022.

09:31

CONVIDADA 25-05-2021 MM

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