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Ciência

Zita Martins vai liderar grupo da ESA sobre Exploração do Sistema Solar

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A investigadora portuguesa Zita Martins vai liderar o grupo da Agência Espacial Europeia para o aconselhamento sobre ciência e exploração do Sistema Solar (Solar System Exploration Working Group - SSEWG). A astrobióloga será a primeira portuguesa a ocupar o cargo, uma função que vai exercer ao longo de três anos, a começar em Janeiro de 2024.

Imagem divulgada pela NASA, capturada pela sonda espacial Cassini em 2009 e obtida em 14 de Junho de 2023, que mostra a crosta gelada no polo sul da lua de Saturno.
Imagem divulgada pela NASA, capturada pela sonda espacial Cassini em 2009 e obtida em 14 de Junho de 2023, que mostra a crosta gelada no polo sul da lua de Saturno. AFP - HANDOUT
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A investigadora portuguesa Zita Martins vai liderar o grupo da Agência Espacial Europeia para o aconselhamento sobre ciência e exploração do Sistema Solar (Solar System Exploration Working Group - SSEWG). A astrobióloga será a primeira portuguesa a ocupar o cargo, uma função que vai exercer ao longo de três anos, a começar em Janeiro de 2024.

Em entrevista à RFI, Zita Martins explicou que este “grupo de aconselhamento” terá como objectivo “discutir missões espaciais presentes e ver como é que essas missões espaciais estão a decorrer.” Um convite que a cientista aceitou “com muito gosto” e “muita honra para desempenhar esta função.”

“Vamos estar com “um olho” em tudo o que tenha a ver com o nosso sistema solar, mas principalmente na parte de explorar planetas do nosso sistema solar, explorar várias luas, por exemplo, as luas geladas de Júpiter e Saturno”, explicou Zita Martins

Confira aqui a entrevista.

Vai liderar um grupo de trabalho da ESA, o que é que vai fazer concretamente?

Vou coordenar o grupo de trabalho que, em português, que se chama de Exploração do Sistema Solar. É um grupo de trabalho da ESA, um grupo de aconselhamento, de forma simples. Portanto, há uma equipa internacional e eu fui seleccionada para presidir a essa equipa.

Nós vamos estar a discutir missões espaciais presentes e ver como é que essas missões espaciais estão a decorrer. Vamos também avaliar propostas, vamos discutir missões espaciais futuras… há uma série de coisas que nós, enquanto painel internacional, vamos discutir.

A Agência Espacial Europeia seleccionou-nos para darmos a nossa opinião, enquanto peritos, das mais variadas áreas e das mais variadas nacionalidades.

Como surgiu esta oportunidade, foi por convite, candidatura?

Foi um convite. Ou seja, as pessoas da Agência Espacial Europeia conheciam o meu currículo, já faço parte de outros painéis de aconselhamento, também da ESA e, portanto, conheciam muito bem o meu trabalho. Não só o trabalho científico, mas como eu trabalho nestes grupos de aconselhamento e também o meu trabalho de liderar equipas.

Portanto, contactaram-me e perguntaram-me se gostaria de presidir [este grupo]. Colocaram-me este desafio e eu aceitei com muito gosto. Vão ser três anos e cá estou com muita alegria e muita honra para desempenhar esta função.

Numa linguagem mais acessível, o que é isto da exploração do sistema solar? 

Tem a ver com todas as missões espaciais e todo o trabalho de investigação que se faz no nosso sistema solar. Isso vai desde missões espaciais presentes e futuras que a Agência Espacial Europeia esteja a fazer. Mas, obviamente, nós também discutimos o contexto internacional, com colegas de outras agências, e como o trabalho da Agência Espacial Europeia pode ou não, e geralmente é, influenciado, também, pelo contexto internacional.

Portanto, vamos estar com “um olho” em tudo o que tenha a ver com o nosso sistema solar, mas principalmente na parte de explorar planetas do nosso sistema solar, explorar várias luas, por exemplo, as luas geladas de Júpiter e Saturno. 

É um pouco esse trabalho, com pessoas que têm backgrounds (percursos) científicos muito, muito diferentes. Eu, por exemplo, sou licenciada em química, mas obviamente vou ter colegas de física, de astronomia, de ciências planetárias, de engenharia aeroespacial, um leque muito variado de pessoas e é isso que enriquece realmente estes grupos de trabalho.

Vai presidir a este grupo de trabalho já a partir de 2024, durante três anos.

Certíssimo, sim. 

Isso vai, de alguma forma, trazê-la mais vezes a Paris, uma vez que a sede da ESA é em Paris, vai ter que fazer relatórios recorrentes?

Sim, exactamente. Vou ter várias viagens, não só para Paris, mas vou também para os Países Baixos, para Noordwijk.

Tirei o meu doutoramento em Leyden e, portanto, há 20 anos que eu visito o ESTEC (Centro Europeu de Pesquisa e Tecnologia Espacial), em Noordwijk. Vão ser aí as reuniões de trabalho do grupo. 

Ao fim dessas reuniões, tenho que preparar relatórios, fazer um resumo do que a nossa equipa esteve a discutir e, depois, terei que ir a Paris, de facto, à sede da Agência Espacial Europeia, indicar o que o nosso grupo de trabalho esteve a discutir.

Não começou agora a trabalhar nesta área, já participou em várias missões. Gostava que me falasse um pouco do seu percurso. 

Sou licenciada em química pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa. Licenciei-me há 20 anos e desde o meu último ano de licenciatura que comecei a trabalhar na área de Astrobiologia. 

Fui fazer, primeiro, um estágio para para os Países Baixos, para o grupo de Astrobiologia e, depois, comecei a fazer um doutoramento. Durante o meu doutoramento, tive cientistas da NASA que viram uma das minhas apresentações, gostaram muito e convidaram-me para ser cientista convidada na NASA durante o meu doutoramento. 

Trabalhei uns tempos na NASA para fazer trabalho para o meu doutoramento. 

Depois passei pelo Imperial College, primeiro como pós-doc, depois ganhei uma bolsa milionária da Royal Society de um milhão de Libras. Tive quase 11 anos no Reino Unido e depois decidi voltar para Portugal. 

Desde 2018 que estou como professora associada no Instituto Superior Técnico.

Nestes 20 anos da minha carreira participei em vários projectos espaciais, alguns deles missões espaciais, umas ainda estão em desenvolvimento, outras já aconteceram. 

Participei, mais recentemente, na missão espacial japonesa chamada Hayabusa2,  em que a equipa e a missão espacial foi a um asteróide, recolheu amostras e trouxe essas amostras de volta à Terra. A equipa analisou essas amostras e publicámos os resultados no início deste deste ano.

Em termos de missões espaciais futuras, faço parte da missão espacial Comet Interceptor, que irá visitar um cometa e vai ter o seu lançamento da missão em 2029.

Faço, também, parte da equipa de outra missão espacial, da ESA, chamada Ariel, que vai estudar as atmosferas de mais de 1000 exoplanetas. Exoplanetas são planetas que orbitam à volta de outras estrelas que não o nosso Sol.

Faço parte de várias missões espaciais e, também, de vários painéis de aconselhamento da Agência Espacial Europeia. 

Apesar de ser licenciada em química, que nunca diriam que esteja directamente relacionada com estas áreas da Astrobiologia ou do espaço, nestes últimos 20, anos tenho estado muito ligada à exploração espacial e a todas estas questões ligadas ao espaço.

Quando pensamos em missões espaciais, imaginamos naves e pessoas dentro dessas naves. Esquecemo-nos, provavelmente, da equipa numerosa que está atrás e que desenvolve um trabalho notável. Nunca teve essa vontade de partir a bordo de uma nave espacial?

Não, de todo. Tenho um respeito enorme pelos astronautas. Sei, claramente, quais são os desafios, quais os sacrifícios que os astronautas fazem. Já conheci alguns, mas nunca tive essa ânsia. 

Nunca me candidatei a nenhum dos concursos para astronauta, exactamente porque sei os sacrifícios, desafios e riscos que os astronautas sofrem. 

Para mim, só de saber que o meu trabalho, o meu esforço, vai numa missão espacial - que pode não ser tripulada - deixa-me com muita alegria. Saber que o meu trabalho pode, potencialmente, inspirar as futuras gerações de cientistas quando publicamos os resultados, quando vamos a escolas explicar o que é que temos andado a fazer. 

Acho que também é importante mencionar que, geralmente, uma missão espacial começa a partir do momento em que uma equipa internacional de dezenas de cientistas escreve uma proposta. E isso demora muito, muito tempo. Desde que a missão é escrita até ser seleccionada, depois ser lançada e - esperemos sempre com muito sucesso - atingir o alvo, conseguir chegar a esse local que nós queremos, podem passar 15, 20 anos.

É um desafio enorme, muito trabalhoso e o esforço conjunto de muitos cientistas a nível internacional. Já sabemos que a ciência demora muitos anos a ser feita, mas a ciência, em termos de missões espaciais, demora ainda muito mais tempo. 

Em 20 anos de carreira esteve muito tempo no estrangeiro. Porquê voltar para Portugal? 

Mesmo antes de sair, tinha a ideia de sair de Portugal para [voltar e] criar o primeiro laboratório de Astrobiologia, um dia, no nosso país. 

Sabia, perfeitamente, quando saí, há mais de 20 anos, que não havia Astrobiologia no nosso país. Pensei que tinha que ir para os melhores sítios, aprender com os melhores nesta área.

Pensei sempre: um dia quero voltar e quero colocar uma bandeirinha a dizer ‘nós portugueses fazemos astrobiologia e hei-de voltar’. Em Janeiro de 2018 comecei o meu percurso em Portugal, no Instituto Superior Técnico, onde abri o primeiro laboratório de astrobiologia e tenho uma equipa, neste momento, a trabalhar em astrobiologia e dou, também, aulas de astrobiologia no Instituto Superior Técnico.

Tudo isso deixa-me muito orgulhosa, começar a ver jovens portugueses a serem formados nestas áreas, porque realmente há uma grande procura. Recebo constantemente emails de jovens, ainda com 14, 15 anos, que querem trabalhar nestas áreas e não sabem muito bem que percursos devem fazer.

Portanto, é muito importante que esses jovens tenham formação - não têm todos que fazer a formação aqui em Portugal - e que o nosso país dê cartas nesse nesse aspecto e tenha pessoas a trabalharem na área da Astrobiologia em Portugal.

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