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Ciência

Rumo à descarbonização do tráfego marítimo internacional ?

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Atingir "a neutralidade carbónica para o transporte marítimo internacional em torno de 2050", é o objectivo do acordo da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), apresentado a 7 de Julho. O tráfego marítimo mundial emite a mesma quantidade de gases com efeito de estufa que a Alemanha ou a totalidade do continente africano e, para muitas ONG's ambientalistas, o acordo ficou "aquém das expectativas". 

O transporte marítimo internacional, altamente poluente, é responsável por 3% das emissões globais de gases com efeito de estufa. Não pesa ainda sobre o sector nenhuma comptabilização de carbono, 'como a taxa carbono'. Lianyungang (Chine).
O transporte marítimo internacional, altamente poluente, é responsável por 3% das emissões globais de gases com efeito de estufa. Não pesa ainda sobre o sector nenhuma comptabilização de carbono, 'como a taxa carbono'. Lianyungang (Chine). VCG via Getty Images - VCG
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O tráfego marítimo transporta 90% dos produtos consumidos no mundo e, como tal, desempenha um papel fundamental no comércio mundial. Mas por outro lado, é um sector altamente emissor de gases com efeito de estufa (3% das emissões mundiais), pelo combustivel fóssil que os navios utilizam, um dos mais sujos do mundo, um resíduo viscoso do petróleo, pesado e difícil de queimar.

Depois de duas semanas de negociações na sua sede em Londres, a IMO, uma instância da ONU composta por 175 países, apresentou o seu objectivo: descarbonizar este sector, altamente poluidor, atingindo "a neutralidade carbónica para o transporte marítimo internacional em torno de 2050". 

Mas várias organizações ambientais e profissionais do clima criticam a timidez e falta de ambição de um acordo que fica "aquém das expectativas".   

Carolina Silva, responsável pelo transporte marítimo na associação ambientalista Zero, seguiu as discussões da Organização Marítima Internacional em Londres. 

Este acordo, que propõe atingir a neutralidade carbónica em torno de 2050 é suficientemente ambicioso? 

Depende com que perspectiva olhamos. Alguns dirão que é um acordo histórico, extremamente positivo. Na minha perspectiva não é o caso. O que nós, sociedade civil e associações ambientalistas, queríamos desta revisão da estratégia é que houvesse um comprometimento claro em alinha o transporte marítimo com os objectivos com o Acordo de Paris, ou seja, limitar o aquecimento global da temperatura a 1.5° até ao final do século. Obviamente que este acordo não nos traz isto. Por outro lado, era importante termos metas vinculativas para 2030, e 2040. Mas o que temos com este acordo são checkpoints indicativos...

São metas meramente indicativas, como a redução de 40% das emissões até 2030 e 70% até 2040.. O facto de não serem metas vinculativas é, em si, um problema?      

É um problema se não forem depois acompanhadas por medidas adicionais. Porque a estratégia do acordo traz um plano, este plano terá que ser complementado por estratégias, isto já está previsto no acordo. Estas medidas adicionais terão depois que ser aprovadas. Se estes objectivos são suficientes? Não são. Porque não estão alinhados com o limite de 1.5° até ao final do século, ou seja, estamos muito aquém daquilo que tem de ser feito pelo sector do transporte marítimo.

Temos este traçado de acção a nível internacional, mas tem que haver acções complementares a nível local e regional. Terá que ser feito porque a estratégia do acordo falha em ser ambiciosa. Assim poderemos ver uma implementação de novas tecnologias como a propulsão eólica de novos combustíveis muito mais cedo que isso. é isto que se espera da indústria e dos governos, é que possam agir sobre este acordo indo mais além do que IMO conseguiu ir. 

A própria União Europeia reclamava um objectivo mais ambicioso, o secretário de Estado francês, Hervé Berville, admitiu que o acordo final ficou "aquém das ambições com que se esteve na mesa das negociações", as ilhas-Estado do pacífico, particularmente ameaçadas pelas alterações climáticas, queriam ir mais longe... O que é que bloqueou? 

Diria que um dos principais motivos é devido a alguns estados em desenvolvimento como a China, a Argentina ou o Brasil que tentaram árduamente ter menos ambição no sentido de ter em conta as especificidades nacionais. Recordo que o objectivo de neutralidade carbónica da China só será alcançada em 2060. Há uma grande dependência não só do transporte marítimo mas também dos combustíveis fósseis que são utilizados para o movimentar. 

Combustíveis fósseis que, aliás, o acordo da Organização Marítima Internacional propões substituir, nomeadamente através de combustíveis alternativos...

Não só recorrer a alternativas renováveis mas também a outras formas de propulsão. Há uma questão do acordo que fala em desenvolvimento e implantação de tecnologias zero emissões. Tecnologias ou fontes de energia, como o vento. A propulasão eólica terá um papel importantíssimo a desempenhar. O que o acordo nos diz é que estas formas de tecnologias zero emissões terão que representar cerca de 5% da energia utilizada pelo sector até 2030. Não será suficiente.  

O que se sabe da criação de uma taxa internacional sobre as emissões de carbono, uma medida criticada por pesar mais sobre os países em desenvolvimento? 

Ainda não sabemos em que moldes é que esta medida económica vai ser aplicada. Haverá um mecanismo de taxação de gases com efeito de estufa mas existem vários mecanismos. Este imposto depois gera receitas que podem ser aplicadas na própria descarbonização do sector. Uma parte destas receitas terá que ser distribuída aos pequenos estados insulares e aos países em desenvolvimento para que possam fazer a transição. Ainda não sabemos qual será o valor desta taxa, qual será o mecanismo. 

Enquanto activista ambientalista, o que pensa desta taxa? 

É uma excelente medida. Vai no seguimento do que a União Europeia faz no âmbito de incluir o transporte marítimo no comércio de licenças de emissão. É algo que nós ambientalistas e activistas aplaudimos, porque vai colocar um preço no carbono, ou seja, vai aplicar o princípio do poluidor-pagador. 

Mas alguns países consideram essa taxa injusta por pesar mais sobre os países em desenvolvimento...

É sempre uma preocupação, quando falamos em descarbonização, que haja uma transição justa. Mas atenção que é por isso mesmo que a aplicação das receitas é crucial. Se tivermos uma medida que estipule que uma parte destas receitas terá que voltar para os países que mais precisam delas, que mais são impactados, então temos um bom mecanismo para uma transição justa.  

De realçar que este acordo contém os objectivos gerais, não obrigatórios. No entanto, quando o pacote de medidas de meio termo entrar em vigor, este sim terá medidas vinculativas, inscritas no  instrumento jurídico da Organização Marítima Internacional. 

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