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Boxe

Uisma Lima: «Incrível ser campeão Intercontinental da IBF mas quero mais!»

Uisma Lima sagrou-se campeão Intercontinental da IBF (International Boxing Federation). O atleta luso-angolano conquistou o título em Berlim, na Alemanha.

Uisma Lima, atleta luso-angolano.
Uisma Lima, atleta luso-angolano. © Cortesia Uisma Lima
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O pugilista, de 31 anos, que nasceu em Luanda em território angolano, derrotou o alemão Haro Matevosyan, que era o detentor deste título internacional da modalidade na categoria de peso de SuperWelter, menos de 70 quilos.

O combate, que deveria ter 12 assaltos, acabou no 10° assalto, após o atleta germânico ter desistido devido à série de golpes que o deixaram em inferioridade física frente a Uisma Lima.

A RFI foi à descoberta deste atleta ambicioso. Uisma Lima conquistou o primeiro título, o primeiro cinturão internacional.

Em 13 combates, o pugilista venceu 12 combates e apenas perdeu um. Essa derrota contava para o título WBC, uma outra organização de boxe, na categoria Middle, e foi frente ao irlandês Aaron McKenna.

Um primeiro desaire que não afectou em nada Uisma Lima que venceu o alemão Araik Marutjan, antes de conquistar o título intercontinental frente a outro germânico, Haro Matevosyan.

Uisma Lima, atleta.
Uisma Lima, atleta. © Cortesia Uisma Lima

Uisma Lima contou-nos como foi triunfar e levantar o cinturão a 06 de Abril e revelou-nos como surgiu a paixão pelo boxe, e.

Uisma Lima 'Monstro', atleta que representa o clube do Vitória de Guimarães, Vitória Sport Clube, também nos falou de Angola, país onde nasceu e cresceu até aos 8 anos, antes de rumar a Portugal.

Uisma Lima, que sonha em estar presente nos Jogos Olímpicos, quer primeiro evoluir e subir rapidamente nos rankings mundiais, nas classificações mundiais, conquistando cinturões. Recorde-se que há quatro organizações de boxe: WBC, WBA, WBO e IBF.

RFI: Qual foi a sensação de conquistar este título?

Uisma Lima: A sensação foi incrível porque foram anos e anos a trabalhar para chegar até este ponto. Trabalhei muito durante muitos anos. Foram 12 anos de muito trabalho até chegar a um título sério e com muito trabalho, com muita fé, consegui o meu objectivo. Um dos objetivos principais para este ano era conquistar um título intercontinental e consegui este título e entrar também para o Top-50 mundial. 

RFI: Quando se tem um combate frente a um alemão naAlemanha, sempre se acredita que se consegue vencer o adversário? 

Uisma Lima: Claro, senão não aceitava o combate. Eu quando aceito um combate eu sei que tenho que ganhar. Tenho que fazer a melhor preparação possível para bater de frente com o adversário e ganhar. E eu penso que sou melhor. Eu sou melhor. Só tenho que trabalhar para isso. E eu sei que tenho tudo. Sou tecnicamente bom, sou fisicamente vantajoso. Sou canhoto e só tenho de trabalhar muito comigo e com o meu treinador. E é isso que temos feito estes últimos tempos. 

RFI: É complicado estar num ringue em que toda a gente está contra si? 

Uisma Lima: É. Mas sempre foi assim. Desde que combato, sempre foi assim, já não há outra maneira. Mas agora é complicado estar emPortugal e ter poucos apoios para trabalhar e para disputar um título mundial.A preparação foi com muito sacrifício. Consegui fazer uma boa preparação, mas eu tenho que ir sempre para o Vitória Guimarães, ou seja, Rio Tinto, e vou três vezes por semana. Eu acho que é complicado porque não temos muitos apoios, agora eu tenho bons patrocinadores, mas ainda não é o ideal para treinar para um título intercontinental. Eu tive que treinar muito. 

RFI: Como é que foi o combate? 

Uisma Lima: Nós seguimos a estratégia toda, do início ao fim. Sabíamos que tínhamos que ganhar nos direitos. Sabíamos que era um estilista e tínhamos de aumentar o ritmo gradualmente e foi isso que aconteceu.Até foi tão bom que depois do 10° round, ele nem quis vir, por isso seguimos a estratégia do início até ao final. 

RFI: Qual é o sentimento de ver um adversário abandonar? 

Uisma Lima: Nós fizemos o trabalho todo que tínhamos afazer. Sabíamos que podia acontecer isso. Podíamos até acabar com um KO, mas ainda assim foi melhor porque não estávamos à espera. Mas lá está, como disse, fizemos o trabalho que tínhamos a fazer. Trabalhámos durante três meses só os direitos, porque sabíamos que era a nossa mais valia com esse adversário.Fisicamente sabíamos também que tínhamos de estar com um melhor nível fisicamente, porque ele não ia aguentar até ao 12° round. E lá está, foi mesmo perfeito como acabou, não estamos à espera. E lá está, assim, não há dúvidas. Se fosse na decisão, podia haver dúvidas, jogando fora, nunca se sabe. Mas acabamos assim e toda a gente respeitou-nos. 

RFI: Agora o mais complicado é manter o cinto?

Uisma Lima: É mais difícil manter claro. Sei que temos de fazer agora uma melhor preparação. Às vezes podemos não conhecer os adversários que vamos jogar. E lá está, podemos jogar noutros países, porque em Portugal não temos uma boa organização que nos consiga dar um projecto que nos faça defender o título em casa. Por isso temos que ir para fora, onde vamos ter mais visibilidade também financeiramente, onde está mais dinheiro e onde podem investir mais num título. E lá está, também queremos uma atleta tipo top-20 mundial para disputar o título. Agora queremos melhorar o nosso boxe. Queremos jogar com os melhores para sermos os melhores. 

RFI: Quando se escolhe, escolhe-se um adversário em que se sabe que se consegue manter o cinto, ou um adversário que possa trazer mediatismo?

Uisma Lima: Eu faço boxe porque também quero ser o melhor é para ser o melhor eu tenho que jogar com os melhores. E lá está, a melhor proposta para mim vai ser jogar com o melhor, com mais visibilidade, com mais cachê. Eu quero isso. Eu não quero estar a mentir, quero ser um campeão a sério. Não quero estar a jogar com os fraquinhos. Quero jogar com atletas com nome, atletas que já mostraram que são também grandes pugilistas. E lá está, é agora ou nunca. E eu agora vou chegar ao auge e por isso quero bater-me com os melhores. 

RFI: Qual é que seria o melhor momento para combater novamente? 

Uisma Lima: Ideal seria em finais de Setembro. A melhor preparação é três meses. 

RFI: Quando começa uma preparação, começa sempre do zero?

Uisma Lima: Eu nunca paro a 100%, por isso nunca começo do zero. O meu treinador queria que eu ficasse a descansar duas semanas, mas é impossível para mim. Não consigo, tenho que fazer sempre alguma coisa, por isso eu nunca paro a 100%. Claro que agora, estrategicamente, é que temos de começara fazer algo a 100%. 

RFI: Qual é o trabalho mais específico para o Uisma? É manter o peso? A musculação? O facto de conseguir durar no encontro? 

Uisma Lima: Temos de trabalhar mais é financeiramente.Treinos temos sempre, mas é preciso também pagar. Para treinarmos em bons sítios, precisamos de dinheiro para financeiramente termos avião para os sítios, alojamento, alimentação. A questão financeira é que vem aí. Nós aqui temos bons treinadores, temos um pouco de tudo, mas para os atletas é lá fora, precisamos de trabalhar com os atletas lá fora. 

RFI: É um verdadeiro sofrimento controlar o peso?

Uisma Lima: Não, já não é porque sou disciplinado e eu sei que depois vem a bonança. Eu tenho um nutricionista que planeia tudo direitinho desde o início da preparação até ao final. Tem dias que posso comer bem, tem dias que mal. Eu também por mim já sou um gajo que como limpo, gosto de comer limpo. Não gosto mesmo de comer porcaria. Eu gosto de comer bem. Na altura também gosto de comer uma porcaria, mas não sou uma pessoa que come muita porcaria. Eu gosto de me sentir bem comigo próprio. Não gosto de comer tipo fast-food a toda a hora, mas comer um arrozinho com uma carninha e lá está, eu sou uma pessoa que gosta de comer coisas limpas. 

RFI: SuperWelter é mesmo a sua categoria? 

Uisma Lima: Neste momento a minha categoria éSuperWelter. Tem a ver com a minha altura e também é uma categoria onde me sinto bem. 

 

Uisma Lima, pugilista luso-angolano.
Uisma Lima, pugilista luso-angolano. © Cortesia Uisma Lima

 

RFI: Como é que se, quando é criança, começa a praticar e surge a paixão pelo boxe? 

Uisma Lima: Fui sempre ligado a desportos de combate e desportos de entretenimento. Sempre fui uma pessoa atlética e sempre gostei de fazer desporto, futebol, basquete e o meu irmão mais velho tinha feito judo, capoeira e sempre esteve mais ligado aos desportos  de combate. Quando eu parei de fazer basquete, ele convidou-me para ir fazer os treinos de MMA, na altura, e kickboxing. Apaixonei-me, mas gostava mesmo era o boxe, por isso que me pôs no boxe. Passei por uma academia sobre o boxe e desde aí fiquei no boxe.Sempre foi minha paixão. 

RFI: A partir de mais ou menos que idade começou a praticar? 

Uisma Lima: Entre 18, 19 anos, fui para as artes marciais. 

RFI: Preferiu ficar no boxe? 

Uisma Lima: Exacto. Não no MMA, nem no kickboxing. 

RFI: E porquê? 

Uisma Lima: É uma coisa que não se explica. Apaixonei-me.Sempre gostei mais de trabalhar com os braços. Era um estilo que encaixava comigo perfeitamente. 

RFI: A partir de que momento se diz que pode ser profissional ou pode ter uma carreira? 

Uisma Lima: Eu acho que foi quando comecei a ganhar torneios internacionais e o pessoal também começou a confiar em mim. Eu acho que os meus irmãos, os meus amigos, acho que acreditavam mais em mim. E depois isso fez-me acreditar ainda mais. Também comecei a acreditar em mim, foquei-me a 100% e os resultados falam agora por si. 

RFI: O primeiro combate foi em 2019. Quando se ganha o primeiro, qual é a sensação? 

Uisma Lima: Quando eu ganhei, ganhei tipo bons atletas, atletas com nome na Inglaterra. Lembro-me que o meu primeiro combate foi frente ao número oito do UK (ndr: United Kingdom), e depois no segundo ano foi frente ao número quatro doUK. Foi desde aí que decidi focar-me mesmo no boxe para ser profissional. 

RFI: Tem uma derrota, doeu? 

Uisma Lima: Doeu. Aceitámos esse combate em cima da hora.Tínhamos duas semanas, só que era um combate arriscado. Sabíamos que se ganhássemos em duas semanas, íamos ser conhecidos, íamos ter muita visibilidade. Mas também eu acho que perdendo, tivemos muita visibilidade. E lá está, há coisas que valem a pena. Acho que faz bem perder também. Ouvi certas coisas que eu preciso de trabalhar mais e há derrotas que vêm por bem. 

RFI: Psicologicamente isso não abalou a confiança? 

Uisma Lima: Não, não. Pelo contrário, ainda deixou-me mais focado. 

RFI: O Uisma conseguiu dar a volta rapidamente? 

Uisma Lima: Não digo no dia seguinte, mas sim, depois fui logo treinar. Passado uma semana, claro que esqueci.  

RFI: Qual é o objectivo que quer atingir? 

Uisma Lima: Mais cedo ou mais tarde vou ser campeão mundial numa das quatro melhores organizações. Isso é uma questão de tempo. É uma questão de trabalhar muito até chegar lá. 

RFI: Consegue nos explicar quais são as diferenças entre as quatro melhores? 

Uisma Lima: A melhor é a WBC, depois vem a WBO, a WBA e aIBF. Mas é tipo Liga Inglesa, Liga de Portugal, Liga da Alemanha e a Liga dosCampeões para mim é a melhor é WBC, é da América e tem mais visibilidade. Mas as quatro são as melhores, são muito boas. 

RFI: É complicado ter uma carreira no boxe, financeiramente? 

Uisma Lima: Em Portugal acho que não dão muita visibilidade ao boxe. O pessoal aqui em Portugal só dá visibilidade ao futebol e tem que ser as grandes equipas. Acho que temos muitos atletas, bons atletas aqui em Portugal que desistem por falta de apoios. Eu tenho um grande patrocinador, ele apoia muito. Se eu tivesse mais patrocinadores, e se patrocinadores apoiassem outros atletas, eu acho que íamos mais longe com muitas mais pessoas e com muita qualidade. Mas gastar dinheiro da família para treinar é complicado. 

RFI: Quer dizer que no fundo é apenas dos cachês e dos patrocinadores que consegue viver do boxe? 

Uisma Lima: A Federação nunca me pagou nada, nem a associação. Nunca me pagaram nada. Eu é que pago. Eu tenho que pagar tipo inscrição, seguros. Tenho que pagar todos os anos. Eles nunca me pagaram nada.Às vezes eu tirava dinheiro do trabalho para pôr no meu treino, dinheiro que tirava da família para o meu treino e às vezes ainda faço isso ainda hoje. 

RFI: Ainda trabalha?

Uisma Lima: Agora não trabalho. Agora, por acaso, os ingleses patrocinaram-me só para me focar nos treinos, mas mesmo assim foi muito complicado no início. 

RFI: O que fazia? 

Uisma Lima: Era auxiliar de educação numa instituição interna de jovens. 

RFI: Sente saudades? 

Uisma Lima: Foi muitos anos lá que eu passei. Também foi um sítio onde toda a gente gostou de mim porque eu também andei lá numa instituição. Tenho muitas saudades, porque foi um sítio onde cresci e sempre me trataram bem. Foi lá onde tenho as minhas memórias todas de criança. Por isso sempre vou sentir saudades e guardarei sempre no meu coração. 

RFI: Nasceu em Angola?

Uisma Lima: Nasci em Angola e vim para Portugal com oito anos. 

RFI: Ainda tem recordações de Angola? 

Uisma Lima: Sim, sim. Ainda me lembro de muita coisa deAngola. 

RFI: Como era viver lá quando era jovem? 

Uisma Lima: Eu tinha a minha mãe e o meu pai. Depois os meus pais divorciaram. O meu pai é eletricista e já tinha muito trabalho emAngola. Por acaso vivia bem. O meu pai e a minha mãe separaram-se. A minha mãe pegou-me a mim e ao meu irmão, e viemos para Portugal. Foi um pouco complicado.O meu pai e a minha mãe chatearam-se. Por essa altura o meu pai perdeu um pouco contacto connosco, mas a minha mãe fez sempre tudo para que nada nos faltasse. 

RFI: E então essa adaptação a Portugal foi complicada? 

Uisma Lima: Não, não foi complicado porque tive sempre um irmão comigo, mas foi complicado no intuito de que a minha mãe estava sempre a trabalhar, estava sempre com o meu irmão. Depois é que nasceu o meu irmão Tino.

RFI: Continua a ter contactos com Angola? 

Uisma Lima: Tenho contactos com a família e tenho contacto com o meu pai e falamos com ele. 

RFI: Quer dizer que no fundo também poderia ir combaterem Luanda? 

Uisma Lima:Sim, mas o boxe profissional é fraco. Mas o boxe amador é muito bom e já fui convidado para fazer parte da selecção deAngola. Mas eu rejeitei porque se fosse para fazer boxe amador, fazia pela selecção de Portugal. Acho que tem mais apoio no amador neste momento. Mas é uma coisa também que penso, mas não sei. 

RFI: Os Jogos Olímpicos é algo que poderia estar na sua mente?

Uisma Lima: Não penso muito nisso, é uma questão de ver muito bem como é que vai ser. 

RFI: No boxe são importantes os Jogos Olímpicos?

Uisma Lima: Neste momento não é importante porque já tenho nome. Mas é importante para mim e para o país. Também para ficar na história, estar nos Jogos Olímpicos, estar no pódio. 

RFI: Em Paris já não é possível entrar? 

Uisma Lima: Não. Só há uma eliminatória e também não chego a tempo. Ainda agora acabei um combate. Acho que vai ser em Maio a última eliminatória para os Jogos Olímpicos. Por isso não. Talvez o projecto de 2028.

RFI: Teria que conciliar duas coisas, uma carreira profissional e uma carreira amadora para ir aos Jogos Olímpicos? 

Uisma Lima: E os estilos são diferentes. É preciso ter um trabalho diferente. 

RFI: É um torneio também em que se tem de gerir o físico?

Uisma Lima: Pois lá está, fisicamente tem que ser gerido porque há muitos combates e no amador os torneios desgastam mais que um combate profissional, quer dizer certos combates.

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Uisma Lima, pugilista luso-angolano 19-04-2024

Uisma Lima, atleta luso-angolano.
Uisma Lima, atleta luso-angolano. © Cortesia Uisma Lima

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