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História e geopolítica dos Jogos Olímpicos

JO Munique 1972: Os jogos do horror

Em 1972, no auge da Guerra Fria, a Alemanha Ocidental acolheu os 20º Jogos Olímpicos em Munique. A 5 de Setembro, oito palestinianos, membros do grupo "Setembro Negro", infiltram-se na cidade Olímpica, matam dois atletas israelitas e mantêm outros nove como reféns. Estes jogos que deveriam ser os “Jogos da alegria”, acabaram por ficar para a história com os jogos do “horror”. 

Um membro do grupo palestiniano que sequestrou os membros da equipa israelita nos complexos da cidade olímpica, com um capuz no rosto, aqui de pé em Munique, em 5 de Setembro de 1972.
Um membro do grupo palestiniano que sequestrou os membros da equipa israelita nos complexos da cidade olímpica, com um capuz no rosto, aqui de pé em Munique, em 5 de Setembro de 1972. © Kurt Strumpf / AP Foto
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Em 1972, no auge da Guerra Fria, a Alemanha Ocidental acolheu os 20º Jogos Olímpicos em Munique. A 5 de Setembro de 1972, oito palestinianos, membros do grupo "Setembro Negro", infiltram-se na cidade olímpica, matam dois atletas israelitas e mantêm outros nove como reféns. Estes jogos que deveriam ser os “Jogos da alegria”, acabaram por ficar para a história como os jogos do “horror”. Para o Camboja, os Jogos de Munique foram os últimos, após uma longa ausência de mais de 20 anos, devido à guerra que assolava o país.

Texto de Bopha Chheang: Há precisamente 51 anos, um sequestro veio manchar a imagem dos Jogos Olímpicos de Munique, na Alemanha. Tudo acontece no dia 5 de Setembro de 1972, enquanto os Jogos decorriam com normalidade, um atentando espalha o terror na cidade Olímpica,

Um grupo terrorista palestiniano, conhecido pelo nome de "Setembro Negro" em memória da repressão sangrenta aos combatentes palestinianos na Jordânia em Setembro de 1970, matou dois atletas israelitas e manteve outros nove como reféns. As autoridades alemãs, empenhadas em apagar o passado nazi do país, tinham optado por um fraco dispositivo de segurança e, na altura do sequestro, os polícias que estavam a fazer a segurança da cidade Olímpica não estavam armados.

O atleta júnior da Alemanha Ocidental, Guenther Zahn, junto à chama no Estádio Olímpico, durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos em Munique, Alemanha, a 26 de Agosto de 1972.
O atleta júnior da Alemanha Ocidental, Guenther Zahn, junto à chama no Estádio Olímpico, durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos em Munique, Alemanha, a 26 de Agosto de 1972. © AP Photo

Nesse ano, a realização dos Jogos Olímpicos na República Federal da Alemanha- RFA- representou um sucesso simbólico para a Alemanha Ocidental, que desejava apagar a lembrança dos Jogos Olímpicos organizados pelo regime nazi em 1936, na cidade de Berlim.

Em declarações à RFI, o historiador especialista desportivo, Thierry Terret, explica que a Alemanha Ocidental procurava afirmar a superioridade política sobre vizinha e rival República Democrática Alemã, a RDA, que tinha obtido melhor classificação do que a RFA nos Jogos Olímpicos anteriores.

No entanto, Thierry Terret reconhece que o resultado em termos de imagem foi, na verdade, desastroso para a República Federal da Alemanha que voltou a ficar atrás da RDA em termos de resultados olímpicos, demonstrando ainda a incapacidade em lidar com uma das piores crises dos Jogos Olímpicos, com a morte e sequestro dos atletas israelitas.  

Thierry Terret, historiador do desporto e do Olimpismo.
Thierry Terret, historiador do desporto e do Olimpismo. © RFI

No décimo primeiro dia dos Jogos Olímpicos de Munique, a 5 de Setembro, um grupo de oito palestinianos infiltra-se na cidade Olímpica. Disfarçados de atletas, os terroristas conseguiram aceder ao prédio da delegação masculina israelita, localizado na Connollystrasse 31, sem encontrar grande resistência, pois o país anfitrião optou por não implementar medidas de segurança rigorosas para se distanciar dos Jogos da Vergonha, organizados pelo regime nazi em Berlim em 1936, fortemente patrulhados pela polícia. Desta vez, não havia patrulhas de policiais armados dentro da cidade Olímpica.

Ao entrarem nos apartamentos dos atletas israelitas, o grupo armado “Setembro Negro” matou dois atletas israelitas e fez reféns outros nove. Rapidamente, a polícia alemã cercou o prédio, mas estava mal preparada. As negociações começaram e os terroristas fizeram várias exigências, incluindo a libertação de cerca de 230 prisioneiros palestinianos que estavam detidos em Israel.

Com o passar das horas, a situação ficou cada vez mais confusa. Finalmente, um acordo foi alcançado na noite de 5 de Setembro. Os terroristas e os reféns foram transferidos de helicóptero para um aeroporto militar próximo de Munique. O sequestro, que durou o dia todo, terminou com um assalto da polícia alemã na base aérea de Fürstenfeldbruck, a noroeste de Munique.

A operação foi um fracasso, resultando num banho de sangue. Dezassete pessoas perderam a vida, incluindo 11 atletas israelitas, um polícia alemão e cinco membros do grupo terrorista palestiniano.

O episódio não implicou o encerramento dos Jogos Olímpicos de Munique. Apesar da tragédia ter sido transmitida pelos canais de televisão de todo o mundo, os Jogos Olímpicos retomaram normalmente a 7 de Setembro de 1972. As competições só foram interrompidas por volta das 15 horas, no dia da tragédia e no dia seguinte, momento em que foi feita uma homenagem às vítimas. A cerimónia em memória dos 11 atletas israelitas teve lugar no Estádio Olímpico de Munique.

Meas Kheng, jovem atleta cambojana, disse à RFI que nunca se esqueceu daquele dia. Nessa manhã, Meas Kheng preparava-se para testar os blocos de partida na pista de corrida, quando se apercebeu da confusão na cidade Olímpica.

"Os polícias estavam por toda parte e cortaram os caminhos que, supostamente, eu deveria usar. Ao chegar ao centro de treino, fiquei a saber que havia problemas entre israelitas e palestinianos. Naquela época, eu não entendi muito bem o que estava a acontecer", recorda.

Hoje, aos 77 anos, Meas Kheng lembra que não sentiu medo quando ouviu falar que homens armados tinham invadido a cidade Olímpica.

"No meu país, o Camboja, eu estava habituada a ouvir tiros de soldados khmers vermelhos quando eles atacavam a minha cidade. Esse tipo de insegurança não era estranha para mim. Para ser honesta, eu rapidamente mudei o foco, o importante para mim era preparar-me para os jogos. Era muito jovem e pensava que participar nos Jogos Olímpicos de Munique era apenas para ganhar uma medalha. Então, concentrei-me no meu objectivo como atleta que era vencer", explicou.

Meas Kheng durante o treino no estádio Olímpico de de Phnom Penh, em 1972.
Meas Kheng durante o treino no estádio Olímpico de de Phnom Penh, em 1972. © Réalités cambodgiennes

Considerada pelos cambojanos como a rainha do sprint do Sudeste Asiático, na década de 1970, a atleta de 100 e 200 metros era a única mulher na delegação cambojana nos Jogos Olímpicos de Munique. A equipe cambojana era composta por quatro nadadores, quatro atletas e um boxeador.

Após os Jogos de Munique, o chefe da delegação cambojana explicou que os atletas não conseguiram preparar-se adequadamente devido à guerra civil que assolava o pequeno reino, com os soldados comunistas khmers vermelhos a enfrentar as forças armadas da República Khmer de Lon Nol.

O Camboja ainda não sabia, mas Munique seria a última participação nos Jogos Olímpicos por um longo tempo. O país teve de esperar até 1996 para voltar a acender a tocha olímpica.

O regime destrutivo dos khmers vermelhos arrasou o país, eliminando qualquer actividade desportiva, resultando em quase dois milhões de mortes.

Em 1993, pouco depois dos Acordos de Paz de Paris, o Comité Olímpico Internacional voltou a reconhecer o Camboja como um membro, provocando mudanças significativas na administração desportiva do Camboja. Foi nos Jogos de Atlanta, em 1996, que uma delegação cambojana voltou a desfilar com a bandeira olímpica, enquanto o se começava a reinventar.

Desde a primeira participação nos Jogos Olímpicos, em 1956, o Camboja enviou atletas para nove edições dos Jogos de Verão, a mais recente foi Tóquio, em 2020. O país continua com o mesmo sonho de Meas Kheng: conquistar um dia uma medalha olímpica.

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