Acesso ao principal conteúdo
Rússia

As interrogações geradas pelo golpe de força de Prigojin na Rússia

As autoridades russas levantaram hoje o "regime de operação antiterrorista" que vigorava desde sábado, com o motim abortado do grupo paramilitar Wagner e do seu chefe, Evgueni Prigojin, com quem o Kremlin afirma ter chegado a um acordo para que este último se exile na Bielorrússia. Num vídeo publicado esta segunda-feira na rede 'Telegram', o interessado reitera que o objectivo do seu golpe de força não era derrubar Putin.

O Presidente russo Vladimir Putin (à esquerda) e o chefe do grupo paramilitar Wagner, Evgueni Prigojin (à direita).
O Presidente russo Vladimir Putin (à esquerda) e o chefe do grupo paramilitar Wagner, Evgueni Prigojin (à direita). AFP - GAVRIIL GRIGOROV,SERGEI ILNITSKY
Publicidade

Nesta segunda-feira, as autoridades russas esforçaram-se em apresentar um rosto de regresso à normalidade, com Putin a fazer a sua primeira aparição pública desde sábado num fórum dedicado à juventude e à indústria, sem uma palavra sobre o motim, e com a divulgação de imagens, sem data confirmada, do ministro da Defesa Sergueï Choïgou a inspeccionar as forças envolvidas na Ucrânia, depois de se ter mantido invisível durante a crise .

Prigojin reitera que não pretendia derrubar Putin

Paralelamente, hoje, numa primeira comunicação desde o fim do motim, o chefe do grupo paramilitar russo Wagner, Evgueni Prigojin, disse que as suas tropas encontraram pouca resistência sobre os quase 800 quilómetros que percorreram em direcção a Moscovo no sábado, o que a seu ver traduz "graves problemas de segurança" na Rússia. Ao reiterar que o objectivo da sua iniciativa tinha sido de impedir a destruição de Wagner, numa altura em que as milícias são incitadas a regularizar a sua situação junto das forças governamentais, Prigojin afirmou também que pretendia protestar contra a estratégia do comando militar russo na Ucrânia, a seu ver, ineficiente.

Antes mesmo de ser divulgada essa comunicação de Prigojin, em entrevista concedida à RFI, Marcos Ferreira, professor de relações internacionais na Universidade de Lisboa, considerou que Prigojin tinha efectivamente tentado chamar a atenção do regime sobre o estatuto do seu grupo.

"Ele tentou uma demonstração de força, com base naquilo que o seu grupo militar tinha conseguido nos últimos meses de guerra em Bakhmut ou em Mariupol, para negociar ou renegociar os termos contratuais entre o Ministério da Defesa e o seu grupo privado" considera o universitário para quem "é muito difícil sabermos quais são os planos que o Kremlin tem para Prigojin, que plano é que tem para o próprio grupo Wagner no teatro de guerra ucraniano, fora do teatro de guerra, por exemplo em África onde este grupo é muito activo".

Com efeito, ao sublinhar que "este grupo tem sido muito importante para os objectivos de política externa da Rússia", Marcos Ferreira julga "difícil que a solução passe simplesmente pela reintegração dos militares que não participaram neste levantamento ou que simplesmente se procure eliminar este que é um verdadeiro competidor de Putin". Daí que na sua óptica, "o Kremlin tem planos para ele e que eles passam por esta espécie de 'exílio' na Bielorrússia" e "certamente o Kremlin terá vantagem em manter uma parte do negócio e, para isso, Prigojin é uma pessoa importante".

A confortar pelo menos em parte esta análise, o chefe da diplomacia russa disse em entrevista ao canal 'Russia Today' que o grupo Wagner vai continuar a operar no Mali e na República Centro-Africana, Sergueï Lavrov sublinhando ainda que a rebelião desta organização na Rússia não deverá afectar a relação entre Moscovo e os seus amigos. Os membros de Wagner trabalham no Mali e na República Centro-Africana "como instrutores" e vão "evidentemente continuar", esclareceu o governante.

Ocidente vê motim como o revelador das fragilidades do regime russo

Do lado do Ocidente, onde cada evolução no terreno foi seguida a par e passo, considera-se que o motim deste fim-de-semana revelou as fragilidades do regime de Putin. Esta crise "revela fissuras reais" ao mais alto nível do Estado russo, estimou ontem o secretário de Estado americano Antony Blinken. Sensivelmente no mesmo sentido, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, considerou que este episódio mostrou que a guerra na Ucrânia está "a fissurar" o poder russo e, na óptica de Jens Stoltenberg, chefe da NATO, os acontecimentos de sábado mostraram que a ofensiva contra a Ucrânia era "um erro estratégico".

Estas análises são contudo "muito prematuras" do ponto de vista de Marcos Ferreira. "Julgo que é muito prematuro dizer que isto é um sinal claro de fragilidade e de vulnerabilidade. É importante percebermos que tipo de reacção Putin e o Kremlin conseguiram face a esta sublevação. Eu acho que a resposta, do ponto de vista do poder político russo, foi positiva. Foi uma crise resolvida em pouco mais de 12 horas, em que aparentemente não houve grandes cedências às exigências de Prigojin e não necessitou grande esforço militar", sublinha o professor.

Do ponto de vista de Marcos Ferreira, pode-se antever nos próximos tempos uma "tentativa de Putin e do Kremlin de remendar aquilo que possa subsistir de suspeita de fragilidade", nomeadamente no campo de batalha onde "Putin vai certamente necessitar reafirmar a posição da Rússia, o seu poderio militar, até para responder a algumas das críticas que foram feitas por Prigojin".

Quanto ao posicionamento dos aliados da Ucrânia face a estes acontecimentos, o universitário prevê que "vamos assistir, até porque estamos nas vésperas de uma cimeira importante da NATO (no mês que vem), ao reforço destes discursos de que finalmente a Rússia mostra fragilidade e que o que há a fazer é fortalecer a ajuda militar à Ucrânia insistir na possibilidade de uma derrota militar da Rússia", Marcos Ferreira não descartando a possibilidade de se discutir "a própria questão da Ucrânia poder ser membro da NATO ainda durante a guerra".

Recorde-se que nos próximos dias 11 e 12 de Julho, decorre em Vílnius na Lituânia, uma nova cimeira da NATO, em que uma vez mais, o prato forte será o conflito na Ucrânia, para além de outros tópicos, como o processo de adesão da Suécia à aliança.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Partilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.