Acesso ao principal conteúdo
Ucrânia

David Caiado: «Tenho tido alguma dificuldade em poder assimilar tamanha crueldade e injustiça na Ucrânia»

O Tribunal Arbitral do Desporto - TAS - rejeitou na sexta-feira, 18 de Março, o pedido da Federação Russa de Futebol de suspender as sanções impostas pela FIFA, devido à guerra na Ucrânia, impedindo a participação no play-off de apuramento para o Mundial de 2022 que vai decorrer no Catar.

O Tribunal Arbitral do Desporto - TAS - rejeitou na sexta-feira, 18 de Março, o pedido da Federação Russa de Futebol de suspender as sanções impostas pela FIFA, devido à guerra na Ucrânia.
O Tribunal Arbitral do Desporto - TAS - rejeitou na sexta-feira, 18 de Março, o pedido da Federação Russa de Futebol de suspender as sanções impostas pela FIFA, devido à guerra na Ucrânia. © Action Images via Reuters - Carl Recine
Publicidade

Pela segunda vez consecutiva, o Tribunal Arbitral do Desporto rejeitou o pedido da Federação Russa de Futebol. Na terça-feira, em relação às sanções da UEFA, o TAS já tinha rejeitado suspender as sanções que impedem a participação de selecções e clubes russos nas competições da UEFA, organismo que gere o futebol europeu.

De notar que na terça-feira, o Tribunal Arbitral do Desporto, com sede em Lausana, na Suíça, assinalou que rejeitou o pedido de efeito suspensivo. O TAS afirmou que não está em causa o mérito do recurso da federação russa. Aliás o processo segue os trâmites normais, uma vez que «as partes não concordaram com um procedimento jurídico mais célere», e que «as datas das audições ainda não foram marcadas».

A UEFA e a FIFA anunciaram a 28 de Fevereiro uma decisão conjunta de suspender os clubes e as selecções russas de todas as suas competições, o que permitiu, por exemplo, à Polónia seguir directamente para a final dos ‘play-offs’ europeus de acesso ao Mundial de 2022.

A RFI falou com David Caiado, médio luso-luxemburguês de 34 anos que actua no Penafiel em Portugal.

O atleta português passou pela Ucrânia, tendo representado o Tavriya Simferopol, na época 2013/2014, e o Metalist Kharkiv, na temporada 2014/2015.

Em entrevista exclusiva à RFI, David Caiado abordou a sua experiência na Ucrânia, recordando algumas situações complicadas na Crimeia, território anexado pela Rússia em 2014, e afirmando que as sanções desportivas têm de ter consequências positivas para serem úteis.

RFI: Passou pela Ucrânia, como olha para a situação hoje ?

David Caiado: Com bastante tristeza. Tenho tido alguma dificuldade nestes últimos dias em poder assimilar tamanha crueldade e injustiça que o povo ucraniano tem sofrido. É inadmissível em pleno século 21 que este tipo de situações aconteçam. Causa-me ainda maior tristeza por ter vários ex-companheiros, treinadores e dirigentes a passar por esta situação. Acordo todos os dias com a esperança de ver uma notícia que ponha fim ao sofrimento de todas estas pessoas.

RFI: Passou por um clube na Crimeia e outro em Kharkiv, o que nos pode dizer dessas experiências? Como era viver na Ucrânia? Como é o povo ucraniano?

David Caiado: Vivi em duas etapas diferentes na Ucrânia. Na primeira passagem pela Crimeia, tinha acabado de assinar pelo Tavryia Simferopol, um bom clube da Primeira Liga Ucraniana, com excelentes condições, mas que por infelicidade coincidiu com a invasão russa ao território. No meu caso, tivemos que sair numa primeira instância da zona, onde passamos por vários momentos de aflição, e quando regressámos, já estávamos a viver na Rússia. Foi uma sensação estranha, mas onde deu para entender, o poder e a inteligência que Putin teve no aproveitamento, da destituição de Yanukovich da Presidência Ucraniana, que lhes permitiu que esta invasão não tivesse um líder naquele momento com poder para parar esta invasão da Crimeia.

No Metalist, tinha acabado de sair do Vitória de Guimarães e chego a um dos clubes grandes da Ucrânia, que disputava a fase de grupos da Liga Europa e que tinha condições infra-estruturais e financeiras ao nível dos 3 grandes em Portugal. A cidade de Kharkiv é fantástica e guardo belas recordações daquela época.

Relativamente ao povo ucraniano, o que temos visto, muito solidários, voluntariosos e muito acolhedores. Tem-nos dado a nós e ao mundo, uma lição enorme.

RFI: Quando estava na Ucrânia, que opinião os ucranianos tinham dos russos ?

David Caiado: Nós tínhamos no plantel ucranianos e russos, e todos se davam muito bem, tinham uma relação óptima. Pessoalmente a mim qualquer generalização me parece injusta, e neste caso em particular dos russos, muito mais, porque vivem num país, onde o processo eleitoral é totalmente ilegítimo.

RFI: O mundo do futebol tem sancionado/excluído as selecções russas e os clubes, qual é a sua opinião sobre essas medidas ?

David Caiado: Tento ser bastante prático neste tipo de opiniões relativamente a estas situações. Deixo a pergunta:As sanções têm tido o resultado desejado? As sanções e medidas tomadas contra todo o povo russo fez o seu Presidente parar com todos os crimes que tem cometido na Ucrânia a todas as famílias? Estas medidas no imediato acabam com o sofrimento de quem lá está, quem perdeu familiares ou quem teve de fugir e deixar tudo para trás? O que tenho visto é que, a uma pessoa como Putin, tudo isto não afecta directamente, como tal, com toda a frieza, calma e orgulho, consegue admitir que o seu plano está a decorrer como planeado.

RFI: De forma geral, acha que a política se deve intrometer no desporto ?

David Caiado: A Política e o Desporto estão e estarão sempre ligados. Tendo o Desporto um papel importante na nossa Sociedade, cabe ao Governo dar as melhores condições e investir nesta área. No caso concreto da Rússia, tal como na União Soviética e na Alemanha Nazi, os resultados desportivos são utilizados para mostrar a força do regime. Prova disso foi o enorme investimento feito na organização dos Jogos Olímpicos de Sochi e o Mundial de 2018 que teve uma organização exemplar e isso foi positivo, pelo lado negativo, a mesma razão leva o poder a obrigar os desportistas a fazer possíveis e impossíveis em nome do “patriotismo”, nomeadamente recorrendo a substâncias proibidas.

RFI: David, este tipo de situações abala um jogador ?

David Caiado: Darei um exemplo da minha experiência pessoal, passada na minha primeira passagem pela Ucrânia, na Crimeia. Foram 4 meses muito intensos, com muitas viagens, incerteza, medo, sem poder ver a família, que fizeram com que terminando a temporada, tivesse tomado imediatamente a decisão de que iria ficar em Portugal. Estava desgastado psicologicamente, apesar de ter adorado viver algumas experiências, conhecer excelentes pessoas, jogar num campeonato muito competitivo. Lembro-me depois de duas semanas de estar na Ucrânia pensar e idealizar ficar ali até ao fim da carreira, porque as condições infra-estruturais e a qualidade da Liga era muito boa. No dia em que assino no Vitória de Guimarães, recebo uma proposta da Primeira Liga da Rússia, com uma proposta desportiva e financeira muito vantajosa, mas a decisão estava tomada. No futuro próximo, não sei que futuro reserva ao Futebol Ucraniano, que neste momento é o que menos importa. Uma coisa tenho a certeza, aquele povo vai se reerguer e vai conseguir levantar o país de novo. Que termine rapidamente este pesadelo, porque tenho uma vontade enorme de poder visitar o país e estar com pessoas com as quais partilhei excelentes momentos.

Troféu do Mundial de futebol.
Troféu do Mundial de futebol. © AFP - KURT SCHORRER

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Partilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.