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Polónia / Bielorrússia

Tensão na fronteira entre Polónia e Bielorrússia onde estão milhares de migrantes

Continua a crise migratória entre a Bielorrússia e a Polónia vigente há várias semanas. De acordo com Varsóvia, cerca de 4 mil migrantes estão concentrados na Bielorrússia junto da fronteira com a Polónia cujas autoridades enviaram reforços militares no intuito de lhes barrar a entrada. A Polónia e Bruxelas acusam Minsk de deixar passar deliberadamente os migrantes para a Europa, em resposta às sanções da UE contra o regime de Lukashenko, acusado de repressão contra a oposição no seu país.

Migrantes oríundos nomeadamente de países do Médio Oriente, estão concentrados na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia, perto de Grdono, do lado bielorrusso, no dia 8 de Novembro de 2021.
Migrantes oríundos nomeadamente de países do Médio Oriente, estão concentrados na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia, perto de Grdono, do lado bielorrusso, no dia 8 de Novembro de 2021. AP - Leonid Shcheglov
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A tensão entre Varsóvia e Minsk está a subir de tom, com a Polónia a destacar reforços militares junto da sua fronteira com a Bielorrússia para impedir a passagem de milhares de migrantes concentrados naquela zona, em condições precárias, com falta de alimentos e de água, debaixo de temperaturas próximas de zero.

Ao expressar o receio de que a situação possa sair do controlo, a Polónia acusou Minsk mas igualmente o aliado russo de "ataque" orquestrado. Acusações às quais o presidente bielorrusso respondeu dizendo que "não quer conflitos" mas que "não vai pôr-se de joelhos" perante a União Europeia que começou a aplicar sanções contra o seu regime, na sequência das presidenciais bielorrussas de 2020 marcadas por acusações de repressão contra a oposição.

Bruxelas que entretanto decidiu aplicar sanções suplementares que incluem restrições de atribuição de vistos, disse hoje estar a vigiar 20 países, a Rússia, a África do Sul, a Argélia, o Azerbaijão, a Costa do Marfim, a Índia, o Irão, o Cazaquistão, a Líbia, Marrocos, a Nigéria, o Uzbequistão, o Qatar, Senegal, a Somália, o Sri Lanka, a Síria, a Tunísia, a Venezuela e o Iémen pelo seu possível envolvimento na chegada massiva de migrantes na Bielorrússia.

Ao acusar Minsk de "instrumentalizar" e "atrair" estes migrantes, nomeadamente através dos seus consulados e embaixadas, emitindo-lhes vistos e organizando o seu transporte para a sua fronteira com os vizinhos pertencentes à UE, Bruxelas referiu também ter estabelecido contactos com 13 países suspeitos de participarem neste "ataque híbrido". Bruxelas disse estar atenta à frequência dos voos rumo à Bielorrússia a partir dos Camarões, Congo, República Democrática do Congo, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Iraque, Jordânia, Geórgia, Guiné-Conacri, Líbano, Paquistão, Tajiquistão e Turquia.

"Devemos começar a perceber que as migrações se tornaram uma arma de política internacional"

Ao comentar os últimos desenvolvimentos da crescente tensão entre a Bielorrússia e a Polónia e, por ricochete, a União Europeia, Pedro Góis, especialista de questões migratórias ligado à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra considera que "devemos começar a perceber que as migrações se tornaram uma arma de política internacional e quando começamos a ouvir falar destes migrantes nesta zona do mundo, o que mais se estranhou foi ver migrantes do Médio Oriente a tentar entrar na União Europeia através de um país como a Bielorrússia que fica de facto fora do contexto geográfico. E isso é uma novidade porque eles para chegarem ali, foram atravessando outros territórios pelo caminho com a complacência das autoridades que os foram deixando passar. E parece-me que este é também o caso da Bielorrússia porque este país tem a obrigação de proteger as suas fronteiras externas impedindo a entrada no país de migrantes ou de potenciais refugiados ou, uma vez deixando-os entrar, têm a responsabilidade de cuidar deles e não de abrir uma outra porta para que eles possam fluir para um país terceiro." Ao fazê-lo, considera o professor, "há de facto aqui alguns elementos de política internacional para os quais devemos começar a olhar que é se estes migrantes não são na verdade uma armadilha que está a ser usada como arma na geopolítica internacional".

Relativamente à estratégia europeia de adoptar sanções contra a Bielorrússia, Pedro Góis não esconde o seu cepticismo. "A Polónia de hoje foi a Grécia de ontem e já tivemos esta situação entre a Grécia e a Turquia exactamente com as mesmas condições que se resolveu atirando dinheiro para o outro lado da fronteira e pedindo à Turquia que os ajudasse a resolver este problema do qual a Turquia era em parte responsável. Hoje temos do outro lado a Bielorrússia e, nesta fase, o que estamos a tentar fazer é negociar com este país ao contrário. Ou seja, em vez de oferecermos, estamos a retirar através de sanções. Portanto, eventualmente a solução vai ser não mais sanções porque isso não resolverá o problema numa fronteira tão extensa como a que separa a Bielorrússia de vários países com os quais nós fazemos fronteira mas, ao contrário, eventualmente suspendendo algumas das sanções. Essa dificuldade é uma dificuldade mais estrutural porque tal como não resolveu o problema na fronteira entre a Turquia e a Grécia, tal como não resolveu o problema nas costas do norte de África, também não vai resolver na Bielorrússia. é necessário um programa de gestão de migrações que nitidamente a Europa não está a conseguir obter. Ao mesmo tempo, a economia europeia continua a necessitar migrantes e, portanto, continuamos a ter a necessidade de criar um programa que permita aos que querem vir e dos quais nós necessitamos, que possam vir para a União Europeia", considera o investigador.

"As sanções não são uma solução"

Neste sentido, o universitário diz "não acreditar que as sanções sejam uma solução. A solução é de facto influenciarmos o máximo o processo político tendo em mente a democratização que não existe na Bielorrússia, uma democratização futura e prepararmos esse caminho. No passado, já tentamos por muitas vezes sancionar países, sancionar estados, sancionar os seus governos e acabamos por sancionar as pessoas e causar-lhes mais sofrimento". Para Pedro Góis, "um conjunto de sanções contra a Bielorrússia, para além de não resolver o problema concreto da imigração na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia vai eventualmente criar um novo grupo de potenciais migrantes, desta feita, com origem na própria Bielorrússia, vão deixar de ter acesso aos bens e aos serviços de que necessitam e vão olhar para a União Europeia como um destino potencial e portanto vão forçar eles próprios a passagem, a emigração, para outros países".

Questionado sobre o relativo isolamento no qual a Polónia tem lidado com este contencioso, o pesquisador comenta que "pelo menos desde 2015, já tivemos tempo de encontrar uma política europeia comum e não fomos capazes de o fazer. Infelizmente a Polónia também tem sido um dos países que tem bloqueado uma solução comum através da sua pertença ao grupo de Visegrado e do seu total antagonismo a uma política de acolhimento de migrante e de refugiados. Portanto, não têm ajudado até agora numa solução europeia e agora estão no olho do furacão." Nesta conjuntura, o universitário espera que "isto faça mudar a opinião pública da Polónia e que percebam que a única solução para as migrações na União Europeia é uma política migratória da União Europeia como um todo que vise integrar e não sancionar. Parece-me óbvio que não é com sanções que conseguiremos garantir um futuro de concórdia com os países que nos circundam na União Europeia, nem é construindo muros e aumentando a nossa segurança fronteiriça que faremos com que as pessoas deixem de querer vir. O nosso melhor exemplo é a fronteira sul dos Estados Unidos que é policiada, onde existem muros, onde existe um grande antagonismo e um conjunto de sanções contra os países por onde passam os migrantes, mas que não resolveu o problema", conclui o especialista de questões migratórias.

Refira-se que o próximo Conselho dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia está previsto para o dia 15 de Novembro. Durante esta reunião, deveria ser abordado o contencioso com a Bielorrússia, assim como eventuais sanções dirigidas especificamente contra 30 entidades e altos responsáveis do regime de Lukashenko, nomeadamente o Ministro bielorrusso dos Negócios Estrangeiros.

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