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França: governo quer reformar instituições do Islão

O ministro do Interior francês Bernard Cazeneuve reuniu-se esta manhã com o presidente do Conselho Francês do Culto Muçulmano, Anouar Kbibech. Na mesa, a reforma das instituições do Islão em França para fazer face ao jihadismo.

O presidente do Conselho Francês do Culto Muçulmano, Anouar Kbibech
O presidente do Conselho Francês do Culto Muçulmano, Anouar Kbibech AFP/Fred Tanneau
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Na sequência dos atentados recentes de Nice e da Normandia, a presidência do Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM), instituição criada em 2003 para facilitar o diálogo entre o governo e os muçulmanos de França, foi esta manhã recebida no Hôtel de Beauvau, residência oficial do titular da pasta do Interior, Bernard Cazeneuve, no sentido de encontrar respostas comuns ao crescimento do jihadismo.

Estiveram em debate a organização e o financiamento do Islão em França, muito criticados desde os atentados de Nice e da igreja da Normandia.

À saída do encontro, o presidente do CFCM Anouar Kbibech garantiu que após as férias será levada a cabo uma campanha de combate à propaganda jihadista, que a formação dos imãs será reforçada e que será criada uma instância de financiamento do culto. 

Quanto ao financiamento, Anouar Kbibech enumerou as eventuais reformas evocadas com Bernard Cazeneuve, que passam pelo relançar da Fundação para as Obras do Islão de França, e pela criação de taxas sobre o halal, a carne de animais abatidos segundo o rito muçulmano, bem como sobre a organização da peregrinação a Meca.

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Anouar Kbibech - Presidente do CFCM

O responsável pelo culto muçulmano foi peremptório quanto à manifestação da determinação da organização que preside: "Empreendemos um trabalho reformado aprofundado e vamos levá-lo até ao fim".

Por seu turno, Cazeneuve garantiu que até ao mês de outubro será proposto um dispositivo global e coerente para a refundação da relação com o Islão de França. O ministro francês mostrou firmeza face aos promotores do islamismo radical lembrando que, desde dezembro passado, foi fechada uma vintena de mesquitas e de salas de oração consideradas como sendo "radicais" e garantindo que as autoridades vão continuar a encerrar mesquitas extremistas e a expulsar do país os imãs radicais estrangeiros.

Um pacto com o Islão de França

"Construir um pacto com o Islão de França", segunda religião do país, é o objectivo do executivo, afirmava este domingo o primeiro-ministro Manuel Valls num artigo publicado no Journal du Dimanche. Valls reconhece que "o Islão encontrou o seu lugar na República" mas estima que, "face à ascensão do jihadismo", tornou-se urgente renovar o pacto com o Islão para afastar "aqueles que o minam a partir de dentro"

Para o primeiro-ministro francês, a França "deve demonstrar ao mundo inteiro e de forma brilhante que o Islão é compatível com a democracia".

A questão do financiamento estrangeiro das mesquitas

Para tal, o governo pretende, entre outros, reforçar o papel da Fundação para as Obras do Islão de França, instituição criada em 2005 para canalizar de forma transparente os fundos para o financiamento das mesquitas mas que nunca chegou a funcionar.

Isto depois de Valls já ter defendido na passada sexta-feira, nas páginas do vespertino Le Monde, a proibição temporária do financiamento estrangeiro das mesquitas. O chefe de governo foi cabal ao considerar que o balanço dos mais de dez anos de vida da Fundação para as Obras do Islão de França salda-se por um "falhanço é total" considerando no entanto que "é necessário reconstruir a capacidade francesa de financiamento" através desta mesma fundação.

Se a questão da ingerência externa pode ser considerada problemática, o financiamento estrangeiro é considerado "marginal" por um relatório elaborado em julho pelo Senado que aponta os donativos de fiéis residentes em França como sendo a principal fonte de financiamento do culto. O financiamento representa menos de 20% dos fundos e provém essencialmente de Marrocos, da Argélia e da Arábia Saudita.

Um ímpeto reformista face ao terror islamista

De referir que, na passada quarta-feira, à saída de um encontro com o presidente francês François Hollande e os vários representantes dos cultos, o reitor da Grande Mesquita de Paris (GMP) Dalil Boubakeur exortou a uma reforma das instituições do Islão. Um dos aspectos sublinhados por Boubakeur, reitor da GMP desde 1992 e por duas vezes presidente do CFCM, foi a formação dos religiosos no sentido de uma maior inclusão do Islão nos valores da República.

Em maio de 2016, o CMFM anunciara a criação de um conselho teológico composto por 22 membros com vista a regenerar a mensagem do islão e a elaborar um contra-discurso face à propaganda jihadista.

Tareq Oubrou, reitor da Mesquita de Bordéus, é um dos responsáveis religiosos que advogam uma profunda reforma do discurso muçulmano e das instituições do Islão em França. Ontem, em entrevista à televisão pública France 2, Oubrou afirmou ser imperativa "uma refundação de toda a ideologia muçulmana que é ainda medieval e de um direito canónico que foi concebido na Idade Média e que é necessário reformular".

O reitor da Mesquita de Bordéus estima também que "a formação dos imãs deve ser apropriada e [beneficiar] de uma dupla independência teológica e política relativamente aos países de origem que, infelizmente, têm ainda o controlo sobre este Islão".

Reformar as instituições do Islão: qual o alcance contra o jihadismo ?

O combate interno ao islamismo radical através de uma reforma das instituições do Islão de França é, sem dúvida, uma das respostas ao flagelo do terrorismo islamista.

Contudo, há o risco de reduzir o debate e, por conseguinte, a acção governamental interna ao cariz religioso do fenómeno terrorista e a uma resposta securitária sem colocar a questão da integração social e económica das populações em risco de radicalização.

O debate colocado nestes termos pode também resultar numa ausência de um debate aprofundado sobre a política externa francesa e a sua contribuição para a crescente ameaça jihadista através da intervenção na Líbia, extremamente permeável ao Estado Islâmico, e da postura ocidental face à crise síria que levou ao enfraquecimento do Estado sírio e ao reforço do referido grupo jihadista.

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