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FRANCE

Chirac, o Africano

A família do ex-presidente francês acaba de anunciar a morte de Jacques Chirac. O antigo chefe de Estado gaulês era conhecido pela sua rede africana e as relações complexas que manteve com muitos líderes africanos.

Jacques Chirac e Denis Sassou Nguesso em Brazzaville
Jacques Chirac e Denis Sassou Nguesso em Brazzaville Gilles Bassignac/Getty Images
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Para entender a relação de Jacques Chirac com o continente africano, a RFI estabeleceu uma cronologia "africana" do ex-presidente francês.

Março de 1976: A primeira viagem oficial a África

Jacques Chirac, 43 anos, desloca-se pela primeira vez ao continente africano de forma oficial numa viagem ao Chade. Primeiro-ministro do presidente Giscard d’Estaing desde Maio de 1974, Chirac encontra-se com o presidente Félix Malloum e decide reforçar a cooperação militar entre Paris e N’Djamena.

Maio de 1979: O truque dos presidentes de câmara francófonos

Na cidade de Quebeque, na companhia de Jean Pelletier, presidente da câmara da cidade canadiana, Jacques Chirac cria a Associação dos presidentes de câmara francófonos (AIMF). Em Agosto de 1976, Chirac demitiu-se estrondosamente do seu cargo de Primeiro-ministro. Em Dezembro de 1976, ele funda um partido gaullista anti-Giscard, o Rassemblement pour la République (RPR). Em Março de 1977, foi eleito presidente da câmara de Paris, derrotando o candidato patrocinado por Giscard. A partir de Maio de 1979, com a ajuda da AIMF, ele consegue tecer uma rede internacional e aproxima-se rapidamente de muitos líderes africanos.
 

Abril de 1981: Chirac e Bongo

Na primeira volta das eleições presidenciais de 1981, Jacques Chirac soma 18% dos votos e chega em terceira posição, depois de Valéry Giscard d’Estaing e de François Mitterrand que será eleito presidente duas semanas mais tarde. Será que o candidato do RPR recebeu algum apoio financeiro de amigos africanos? 28 anos mais tarde, em Junho de 2009, Giscard revela à rádio Europe 1 que o presidente gabonês Omar Bongo tinha financiado a campanha de Chirac. “Telefonei então a Bongo para ter uma explicação sobre isso” indica Giscard. Chirac desmente imediatamente e denuncia “uma polémica medíocre”.

Abril de 1986: O regresso de Foccard

No dia que segue a vitória da direita as legislativas de Março de 1986, Jacques Chirac regressa ao cargo de Primeiro-ministro e partilha o poder com o presidente socialista François Mitterrand. O Primeiro-ministro entrega a direcção duma célula África a Jacques Foccard, ex-braço direito do general De Gaulle para assuntos africanos. Em Setembro de 1987, Chirac “passa à frente” de Mitterrand em dois dossiers sensíveis. Na África do Sul, negoceia secretamente a libertação do militante anti-apartheid Pierre-André Albertini. No Congo Brazzaville, disponibiliza ao presidente Sassou Nguesso alguns oficiais dos serviços secretos franceses (DGSE) e um avião de transporte militar de marca Transall para ajudá-lo a reduzir um foco de resistência no Norte do País.

Fevereiro de 1990: Viva o partido único!

Três meses após da queda do muro de Berlim, Jacques Chirac, que perdeu as presidenciais de maio de 1988 face a François Mitterrand, assiste a uma reunião da AIMF em Abidjã, no país do seu amigo Félix Houphouët-Boigny. Entrevistado pela RFI sobre a conferência nacional que decorre ao mesmo tempo no Benim, o líder da oposição francesa declara então: “O multipartidarismo não tem nada a ver com democracia e há países africanos perfeitamente democráticos, como a Costa de Marfim, que são países com um partido único mas onde a democracia se exerce no seio deste partido único”. O presidente do RPR acrescenta “O Multipartidarismo é como um luxo que estes países em via de desenvolvimento não têm meios para sustentar”. Quatro meses mais tarde, num discurso proferido na cimeira de La Baule, o presidente Mitterrand anunciou que doravante “A França irá concentrar os seus esforços de financiamento aos países que permitem mais avanços para mais liberdade”.

11 outubro de 2004, Jacques Chirac numa homenagem nos Invalides aos nove soldados mortos na costa de Marfim
11 outubro de 2004, Jacques Chirac numa homenagem nos Invalides aos nove soldados mortos na costa de Marfim Gilles Bassignac/Getty Images

 

Julho de 1995: Seguindo os passos de De Gaulle

Três meses depois da sua vitória nas eleições presidenciais face a Lionel Jospin, Jacques Chirac, 62 anos, faz a sua primeira digressão em África. Depois de Marrocos do rei Hassan II, a Costa de Marfim de Henri Konan Bédié – Houphouët morreu vinte meses antes – e o Gabão de Omar bongo, ele faz uma última paragem no Senegal do seu amigo Abdou Diouf. É aí que pede aos presidentes dos países vizinhos para virem ao seu encontro. Mas Alpha Oumar Konaré recusa a deslocar-se por tal ser visto por muitos malianos como uma convocatória. Durante a digressão, Chirac é acompanhado pelo velho Foccart, 81 anos, e pelos seus dois herdeiros, Fernand wibaux e Michel Dupuch.

Agosto de 1997: Chirac e Sassou

Há dois meses que, em Brazzaville, as milícias do presidente Pascal Lissouba e do opositor Denis Sassou Nguesso se confrontam numa luta encarniçada. Oficialmente a França é neutra. É a posição afirmada pelo Palácio do Eliseu, ocupado pelo gaulista Jacques Chirac, e pelo primeiro-ministro socialista Lionel Jospin. Mas o jornal Canard Enchaîné revela que armas pesadas são enviadas para os apoiantes de Sassou Nguesso, com o acordo tácito do Presidente, via o Gabão, Angola e o Senegal. É o primeiro sobressalto na coabitação de Chirac com Jospin. Dez meses depois, Chirac declara: “O Congo estava a autodestruir-se e era desejável o regresso da ordem. Havia uma única pessoa que era capaz de o fazer e essa pessoa era Denis Sassou Nguesso”.

Julho de 1999: Chirac e “os homens da ordem”

Há dois anos que o primeiro-ministro Lionel Jospin e o primeiro secretário do Partido Socialista François Hollande mostram simpatias em relação às jovens democracias africanas (Mali, Senegal, etc.). Para vincar a sua diferença, Jacques Chirac começa uma nova digressão africana que o leva à Nigéria e a três países francófonos dirigidos com mão de ferro: a Guiné do general Lansana Conté – enquanto o opositor Alpha Condé estava na prisão, o Togo do general Gnassingbé Eyadema e os Camarões de Paul Biya. Quando Eyadema morre em Fevereiro de 2005, Chirac assina uma vibrante homenagem, qualificando-o de “amigo pessoal”.

O primeiro-ministro Lionel Jospin recebe o presidente marfinse Laurent Gbagbo, no 22 de Junho de 2001
O primeiro-ministro Lionel Jospin recebe o presidente marfinse Laurent Gbagbo, no 22 de Junho de 2001 Daniel Janin/AFP

Dezembro de 1999: Chirac derrotado por Jospin e Hollande

Na véspera de Natal, o presidente da Costa de Marfim Henri Konan Bédié (HKB) é derrubado pelo exército. Para voltar a intervir, Chirac quer posicionar os soldados franceses em Abidjã mas Jospin opõe-se. Chirac recua e fica de rastos. Segunda derrota para o presidente francês: em Outubro do ano de 2000, Laurent Gbagbo, o camarada socialista de Jospin e Hollande, é eleito presidente da Costa de Marfim. Eleições onde os seus dois rivais, HKB e Alassane Ouattara, não marcaram presença.

Setembro de 2002: A retaliação de Chirac contra Gbagbo

Alguns meses depois da derrocada eleitoral de Jospin e a reeleição de Chirac, o marfinense Laurent Gbagbo é confrontado com uma insurreição armada dos apoiantes de Alassane Ouattara. Gbagbo pede então ajuda a Chirac para destruir o núcleo da rebelião. Mas o francês só responde com meias-medidas. Aproveitando a oportunidade para enfraquecer o presidente socialista da Costa de Marfim, que ele considera como um “filho ilegítimo da coabitação”(Antoine Glaser), Chirac limita-se a posicionar uma força de interposição entre as zonas Sul e Norte: o dispositivo "Licorne" (Unicórnio). Em novembro de 2004, depois a morte de nove soldados franceses no bombardeamento do quartel de Buaké, Chirac manda destruir a aviação de Gbagbo e declara: “Não podemos deixar desenvolver-se um sistema que pode conduzir a anarquia ou a um regime de natureza fascista”.

 

Junho de 2003: África no G8

Bush em Évian? Quatro meses depois do seu veto na ONU contra a intervenção militar no Iraque, a França do gaulista Jacques Chirac está na mira dos Estados Unidos de Georges W. Bush. Finalmente, depois de algumas hesitações, o presidente americano rende-se à ideia de ir ao G8 de Évian, em França. Chirac, que defende uma taxa de solidariedade nos bilhetes de avião, tomou a iniciativa de inscrever o desenvolvimento do continente africano como um tema prioritário do G8. Vários chefes de Estado são convidados: o argelino Abdelaziz Bouteflika, o marroquino Mohamed VI, o nigeriano Olusegun Obsanjo, o senegalês Abdoulaye Wade e o sul-africano Thabo Mbeki. Doravante, líderes africanos serão sistematicamente convidados para este clube muito fechado. Além disso, desde outubro de 2012, uma pessoa próxima de Chirac dirige a Organização internacional da Francofonia (OIF). Na cimeira de Beirute, o presidente francês impôs o senegalês Abdou Diouf perante o congolês Henri Lopès.

Abril de 2004: Em primeiro os amigos

O gabonês Omar Bongo, o togolês Gnassingbé Eyadema, o tunisino Zine el-Abidine Ben ali, que ele qualifica de grande “democrata” numa visita a Tunes em dezembro de 2003… Com os seus amigos africanos, Jacques Chirac é generoso em palavras e acções. No mês de Abril de 2004, o chefe da polícia congolesa Jean-François Ndengué, é detido em França por ordem dum juiz parisiense que abriu uma investigação sobre “os desaparecidos do Beach”, 353 opositores ao regime raptados em Brazzaville em Maio de 1999 e que nunca foram encontrados. Imediatamente, o presidente francês obriga a procuradoria de Paris a reunir-se às duas da manhã para libertar este homem próximo de Denis Sassou Nguesso.

Junho de 2006: O "Bruxo branco"

Há muito tempo que Jacques Chirac se dizia revoltado com a memória do tráfico negreiro. A partir de 2006, a 10 de Maio ficou como um dia de comemoração nacional para recordar o tráfico negreiro, a escravidão e as suas abolições. Além disso, o presidente francês diz-se apaixonado pelas “artes primitivas”. Em Junho de 2006 inaugura em Paris o Museu das artes e civilizações de África, Ásia, Oceânia e Américas.

Jacques Chirac e o presidente gabonês Omar Bongo no Pálacio do Eliseu no 30 de agosto do ano 2000
Jacques Chirac e o presidente gabonês Omar Bongo no Pálacio do Eliseu no 30 de agosto do ano 2000 AFP/Georges Gobet

Junho de 2009: A última viagem

Dois anos após ter deixado o Palácio do Eliseu, Jacques Chirac, 76 anos, parte para uma última viagem na África negra. Alguns dias depois da morte de Omar Bongo, ele recolhe-se, junto com o seu sucessor Nicolas Sarkozy, no túmulo do seu velho cúmplice gabonês. Em Dezembro de 2001, ele tinha desdenhado ir ao enterro do poeta e presidente Léopold Sédar Senghor. Em França e em África, a sua ausência tinha provocado um escândalo. Ainda merecia a sua alcunha de “Chirac o Africano”? Desta vez, em Libreville, não se esqueceu de ir prestar homenagem a outro grande amigo da França.

Setembro de 2011: A confissão

Numa escaldante entrevista dada ao semanário Journal du Dimanche, o advogado franco-libanês Robert Bourgui revela que, no tempo de Jacques Chirac, transportou milhões em numerário, escondidos em malas ou em "jembês", de palácios presidenciais africanos para o escritório de Dominique de Villepin no Palácio do Eliseu (1). Sete meses antes das eleições presidenciais de 2012, a entrevista suscita muita emoção. Villepin promete fazer queixa de Bourgui. Chirac escolhe ficar calado. Cansaço? Tédio? A partir deste momento, o velho leão escondeu as garras. Nunca mais se vai ouvir a sua voz.

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Christophe Boisbouvier.

 

(1) Ao aproximar-se da campanha presidencial de 2002, detalha Robert Bourgui, “cinco chefes de Estado africanos, Abdoulaye Wade (Senegal), Blaise Compaoré (Burkina Faso), Laurent Gbagbo (Costa de Marfim), Denis Sassou Nguesso (Congo Brazzaville) e, obviamente, Omar Bongo (Gabão), enviaram cerca de 10 milhões de dólares”.

Ouça aqui as declarações de Jacques Chirac aquando da sua última Cimeira França África em Cannes em 2007, em jeito de despedida.

"A vossa presença é testemunho da relação excepcional entre a França e África.

Sou tanto mais sensível a isso por ter tecido de há muito tempo a esta parte laços pessoais com muitos dentre vós.

E vós bem o sabeis eu gosto de África e respeito-a."

00:23

Jacques Chirac na última cimeira França África (Cannes 2007)

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