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CINEMA

Abertura do Festival de cinema de Locarno

O 69° Festival de cinema de Locarno, na Suíça, arranca com um número record de filmes portugueses a ser exibidos entre as demais nacionalidades. A RFI falou com o director do certame.

O Ornitólogo, filme de João Pedro Rodrigues, é uma das longas metragens portuguesas em competição.
O Ornitólogo, filme de João Pedro Rodrigues, é uma das longas metragens portuguesas em competição. Festival de Locarno
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O jornalista Rui Martins está em Locarno para cobrir o Festival de cinema e falou com o respectivo director, Carlo Chatrian. Eis aqui a respectiva entrevista.

Rui Martins – Há alguma razão para a ausência de filmes brasileiros nas competições do Festival de Locarno?

Carlo Chatrian - Que pergunta engraçada ! É preciso haver todos os anos filmes brasileiros nas competições?

Rui Martins - Não tenho a menor ideia, mas quando não há filmes brasileiros, os brasileiros e os cinéfilos interrogam-se sobre as razões e fica sempre a dúvida: será que o cinema do Brasil vai mal e porquê que o cinema de outros países tem mais filmes ?

Carlos Chatrian - Bem, então se a pergunta for - o Festival de Locarno mantém interesse pelo cinema brasileiro? - a resposta é evidentemente, sim, e a prova é que existem co-produções com o Brasil. Em seguida, essa ausência é consequência de escolhas que fazemos, mas essas escolhas não levam em conta a nacionalidade dos filmes. Este ano, há o filme de Júlio Bressane, O Beduíno, na mostra Sinais de Vida, filme de que gostamos mas achamos ser o filme ideal para figurar nessa mostra. Há também uma pequena homenagem que faremos ao cineasta Jean-Claude Bernadet com um filme novo a ele dedicado (A destruição de Bernadet, de Cláudia Priscila e Pedro Marques, produzido por Kiko Goifman, na mostra História do Cinema), e há um brasileiro no júri principal, o da competição internacional. Parece-me que o Brasil está bem representado.

Rui Martins – Porquê a escolha de Rodrigo Teixeira entre os produtores, existem outros, e o mexicano Arturo Ripstein? Isso significa que os latinos vão escolher os filmes premiados?

Carlo Chatrian - Nas nossas escolhas não olhamos para os passaportes dos convidados, olhamos sim aquilo que representam em termos de cinema e de experiência. Ora, Ripstein é um dos grandes cineastas do cinema moderno e agradou-me o facto de aceitasse o meu convite para presidir o júri da competição internacional, por ser um cineasta determinado em fazer um cinema livre, coisa que colocamos em evidência na competição. Quanto a Rodrigo Teixeira é um importante produtor que trabalha entre o Brasil e os Estados Unidos, bastante atento ao mundo do cinema independente e como ajudá-lo, razão de sua escolha. São dois membros do júri vindos da América Latina, porém por pura coincidência. Não acho que isso vá desequilibrar o júri, mesmo porque Rodrigo Teixeira representa também o cinema americano.

Rui Martins - O Leopardo de Ouro ao iconoclasta chileno Alexandro Jodorowski é um aceno aos filmes de contestação de países emergentes como ocorria nos antigos festivais de Locarno?

Carlo Chatrian - Não vejo muita ligação do cinema de Jodorowski com os filmes de contestação do cinema novo, daquela época. Acho que o percurso de Jodorowski é singular, alguém capaz de viver entre diversas disciplinas e agir como um franco atirador, sem pertencer a nenhum dos movimentos artísticos dos quais participou, guardando sempre uma grande independência e autonomia. Ao lhe conceder um Leopardo de Ouro pela sua carreira, quisemos celebrar e prestar uma homenagem à sua carreira e, ao mesmo tempo, mostrar uma outra maneira de se fazer cinema.

Rui Martins - O cinema português tinha este ano seis filmes em Berlim,e esse número duplicou aqui em Locarno, serão 13 filmes, dos quais 6 em competições. O cinema português é realmente assim tão bom?

Carlo Chatrian - Depende dos anos. Há anos com filmes brasileiros, outros sem filmes portugueses. Sou muito ligado ao cinema português, é um dos mais fortes no cinema contemporâneo. Mas na selecção dos filmes não olho para a geografia, de onde vem o filme. Procuro representar o mundo todo, porém escolho principalmente os filmes, cada um em separado, único. É verdade que este ano existem muitos filmes portugueses, mas são filmes que nos tocaram. Há um filme que não escolhi para Locarno mas que acabou por ser escolhido para o Festival de Veneza. Hoje, é verdade, o cinema português está muito forte. Os filmes O Ornitólogo, de João Pedro Rodrigues, e Correspondências, de Rita Gomes Azevedo, que muito a ver com o Brasil, foram filmes escolhidos porque nos tocaram muito de perto e não por serem portugueses. No meu primeiro ano, prestei homenagem a Paulo Rocha, no ano passado a Manoel de Oliveira.

Rui Martins - O Brasil, a lusofonia e África encontram-se no filme de Licínio Azevedo, O Comboio de Sal e Açúcar, de Moçambique. Há outros filmes africanos em Locarno?

Carlo Chatrian - Sim, há um filme egípcio na competição internacional e outro na mostra Cineastas do Presente. Este ano estou contente por poder dizer que África volta a Locarno. O filme de Licínio Azevedo tem bastante força, é um western, no estilo dos grandes filmes do género, utilizando a história de Moçambique. Estou muito curioso por ver qual será a reacção do público na Piazza Grande, foi um grande desafio programá-lo para o grande público, mas estou convencido de que vai tocar o público pela força de sua história, das suas personagens e pela beleza das imagens.

Rui Martins - O filme sobre Jean Ziegler é uma homenagem ao pioneiro da luta contra o segredo bancário?

Carlo Chatrian - É um diálogo entre dois homens, o realizador e Jean Ziegler, que se conhecem há muito tempo mas que pertencem a duas gerações diferentes e com conceitos de ideologia diferentes.

Rui Martins - Segui a trajectória do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, desde o seu primeiro filme em Locarno, mas desconhecia a sua presença na Escola de Cinema de Havana, pode-nos contar alguma coisa?

Carlo Chatrian - Foi um projecto realizado por Abbas Kiarostami, com alunos da Escola Internacional de Cinema e TV, de Havana, em Cuba, no começo do ano. Escolhemos sete curtas metragens, inclusive um do próprio Kiarostami. Para mim era importante mostrar o último filme feito por ele e, ao mesmo tempo, ver Kiarostami exercendo a função de professor, com a ironia e a leveza que sempre caracterizaram a sua actividade. Foi por isso que, decidimos incluir no programa de Locarno, esse trabalho escolar, logo depois de sua morte.

Rui Martins - Foi intencional criar um equilíbrio de quase 50% entre cineastas masculinos e femininos na competição internacional?

Carlo Chatrian - Quando faço a selecção, olho os filmes e não os nomes dos realizadores e nem se são homens ou mulheres. Escolhemos os filmes em função do que propõem. Mas é verdade que, este ano, percebemos ter havido uma presença bem maior de filmes feitos por mulheres. Realidade que constatamos também noutros festivais e nos alegrou haver na competição internacional jovens cineastas. Ora, entre os jovens, a presença feminina é muito maior e muito mais marcante que no passado, é um bom sinal dos tempos.
 

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